Todos os dias faltam 150 mil embalagens de medicamentos nas farmácias

Em apenas um ano as farmácias reportaram falhas de 57 milhões de embalagens. Na maior parte dos casos, os medicamentos em falta nas prateleiras são para doenças crónicas.

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Farmácias com fornecimentos suspensos passaram de 255 em 2009 para 1756 em Junho deste ano Ana Banha

Entrar numa farmácia com uma receita médica e conseguir aviar todos os medicamentos prescritos é cada vez mais uma raridade. Todos os dias faltam, em média, 150 mil embalagens nas farmácias portuguesas – um cenário que se tem agravado nos últimos anos. De ansiolíticos a medicamentos para o colesterol, as carências são muitas e, na maior parte dos casos, mantêm-se ao longo de todo o ano, alerta o Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (Cefar) da Associação Nacional de Farmácias (ANF).

Perante o crescente número de queixas, a ANF montou há um ano um barómetro diário das falhas, que permite perceber em tempo quase real que medicamentos estão em falta e onde, explicou ao PÚBLICO a directora-executiva do Cefar. “No acumulado de 12 meses, entre Agosto de 2013 e Julho de 2014, registámos um total de 57 milhões de embalagens em falta, que foram reportadas por 2227 farmácias, o que corresponde a mais de 78% das farmácias existentes em Portugal”, adiantou Suzete Costa.

O problema, sublinhou a responsável, é ainda mais grave pelo facto de na lista dos medicamentos que mais têm faltado estarem fármacos para doenças crónicas, como a doença pulmonar obstrutiva crónica, diabetes, ou mesmo ansiolíticos e anticoagulantes. “A grande maioria são medicamentos que as pessoas precisam de tomar o ano inteiro, o que as obriga a ir a duas e três farmácias e mesmo assim voltarem de mãos a abanar”, acrescentou. As dificuldades são tantas que muitas farmácias já alocaram um funcionário “só para pesquisar onde é que se pode ir buscar os medicamentos e percorrer os grossistas para conseguir o fármaco”, reforçou a directora deste centro da ANF.

Quanto a justificações para a degradação do acesso ao medicamento em Portugal, Suzete Costa refere “razões multifactoriais”. “Nunca tivemos isto no passado. Se recuarmos cinco anos, podíamos ter situações pontuais em que o medicamento só chegava da parte da tarde, mas era raro o utente não levar os medicamentos todos de uma vez. Agora, sobretudo desde 2011, muitas farmácias com as reduções progressivas de preço dos medicamentos e com a alteração drástica do sistema de remuneração têm dificuldade em manter os níveis de stock”, apontou a responsável do Cefar.

Preços em baixa nos últimos anos
Os últimos dados da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) mostram que o preço médio global de uma embalagem de um fármaco no Serviço Nacional de Saúde não passou, em Abril deste ano, dos 12,08 euros. O valor sobe para 15,41 euros no caso dos medicamentos de marca e desce para 7,17 euros nos genéricos, quando em 2009 em todos os casos o valor estava próximo dos 16 euros.

Suzete Costa referiu, ainda, que “também há medicamentos que não existem mesmo em Portugal porque por terem um preço tão baixo deixam de ser atractivos para as farmacêuticas”. Depois, surgem situações mais pontuais em que os laboratórios não conseguem dar resposta à procura por limites na capacidade de produção, como é o caso da vacina BCG (contra a tuberculose).

“Sempre que o Estado reduz os preços dos medicamentos para reduzir a sua despesa, isso tem implicações para quem tem um sistema de remuneração parcialmente indexado ao preço. Sempre que há cortes administrativos nos preços, a remuneração dos grossistas e da farmácia baixa. As insolvências e as penhoras são só o caso limite, o extremo deste cenário de degradação que começa com a falta de medicamentos nas prateleiras”, afirmou a responsável do centro da ANF, que adiantou que em Junho existiam 1756 farmácias com fornecimentos suspensos por dívidas aos grossistas, com a dívida litigiosa a ultrapassar já os 303 milhões de euros. Em Dezembro de 2013 eram 1567 as farmácias nesta situação, quando em 2011 eram 795 e em 2009 apenas 255, o que significa que o número disparou quase 600% em cinco anos.

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