O mundo acordou para o ébola mas tarda a travar epidemia em África

Especialistas insistem que é na África Ocidental que as atenções internacionais devem estar concentradas. Continuam a faltar fundos e meios para combater a doença, que já matou mais de 4000 pessoas.

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Agentes funerários sepultam mais uma vítima do ébola nos arredores de Freetown Florian Plaucheur/AFP
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Crianças rezam pelas vítimas do ébola na capital da Serra Leoa, Freetown AFP/FLORIAN PLAUCHEUR
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Vizinhos de uma vítima de ébola em Monróvia assistem ao transporte do corpo por médicos da Cruz Vermelha liberiana AFP/DOMINIQUE FAGET
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Um médico em Kailahun, Serra Leoa, testa o equipamento de protecção AFP/Carl de Souza
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A mulher de uma vítima do ébola chora na pequena cidade de Banjol, a 30 quilómetros de Monróvia AFP/DOMINIQUE FAGET
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Missa e orações ma igreja católica de Santo António, em Freetown AFP/FLORIAN PLAUCHEUR

Os avisos sucedem-se, os pedidos de ajuda multiplicam-se, os piores cenários começam a ser equacionados, mas o mundo tarda a passar das palavras à acção – rápida, concertada e decisiva. No mesmo dia em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o ébola matou mais de 4000 pessoas desde que o surto foi declarado, em Março na Guiné-Conacri, as Nações Unidas avisaram que conseguiram recolher apenas 25% dos mil milhões de dólares que as suas agências precisam para combater a epidemia.

“O nosso povo está a morrer”, implorou o Presidente da Serra Leoa, Ernest Bai Koroma, dirigindo-se aos líderes reunidos quinta-feira na sede do Banco Mundial, em Washington, para discutir formas de combater o surto, no centro das atenções mundiais desde que uma enfermeira espanhola contraiu o vírus ao tratar de um doente repatriado e que um liberiano morreu nos EUA depois de regressar de África. O próprio presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, reconheceu que o mundo “falhou miseravelmente” na resposta à epidemia e reafirmou a promessa de contribuir com 400 milhões de dólares para ajudar os três países da África Ocidental mais atingidos.

Mas Koroma mostrou-se pouco impressionado. “As promessas feitas no papel e durante estes encontros são boas. Mas os compromissos que se materializam no terreno são os melhores”, disse, ao apresentar a lista das necessidades do país, incluindo mais 1500 camas em hospitais de campanha, cinco novos laboratórios e cinco mil médicos, enfermeiros e auxiliares. “O que é preciso hoje era o que era preciso ontem”, afirmou, mas “até agora a resposta internacional tem sido mais lenta do que o ritmo de transmissão da doença”.

Segundo os últimos números da OMS, até ao passado dia 8 havia 2950 casos confirmados ou prováveis de infecção pelo vírus do ébola registados na Serra Leoa, e 930 pessoas acabaram por morrer. A situação é ainda mais grave na vizinha Libéria (4076 infecções, das quais 2316 mortais), enquanto a Guiné, onde o foi registado o primeiro caso em Dezembro (três meses antes de o surto ser declarado) 1350 pessoas foram infectadas, das quais 778 morreram.

Estatísticas frias para a realidade enfrentada pelas organizações não-governamentais, que têm assumido o principal fardo da ajuda aos três países, onde os débeis sistemas de saúde entraram há muito em colapso — na Libéria e na Serra Leoa há camas disponíveis para apenas um quarto dos doentes, reconhece a OMS.

A situação é tão desesperada no país de Koroma que, sexta-feira, os responsáveis dos Centros de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos EUA, em coordenação com outras organizações presentes no país, aprovaram um plano para ajudar as famílias a tratar os doentes em casa, fornecendo-lhes luvas e antipiréticos. “Isto é basicamente admitir a derrota, mas estamos a responder a uma necessidade”, disse ao New York Times Peter H. Kilmark, chefe da equipa dos CDC na Serra Leoa, explicando que até serem criadas as camas necessárias nos hospitais a epidemia vai continuar a alastrar.

Um enviado do jornal norte-americano visitou um dos distritos mais afectados, às portas da capital, Freetown, e encontrou famílias inteiras doentes — como a de Sory Sesay, um menino de dois anos em estado terminal, infectado pelo vírus que já matou a mãe e uma irmã — cadáveres abandonados à porta de um centro de atendimento sobrelotado ou um homem, também ele doente, que viajou 100 km num táxi para trazer a filha moribunda a um hospital onde lhes foi negada entrada.

Médicos e militares
O Reino Unido prometeu criar 400 camas em novos centros de tratamento na Serra Leoa e os EUA, que já enviaram cem peritos, vão deslocar 4000 militares para erguer 17 novos hospitais de campanha na região. Cuba tem na zona centenas de profissionais de saúde e alguns países, como Timor-Leste, anunciaram contribuições significativas.

Mas continua a faltar coordenação no terreno e a sobrar burocracia (contentores com equipamento de protecção doados pelo Japão estão desde Setembro num porto da Costa do Marfim). E a ajuda continua muito aquém das necessidades como prova a revelação, feita sexta-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas, de que a organização conseguiu recolher apenas um quarto do dinheiro que pediu para responder à crise.

“Este é o desafio mais extraordinário que o mundo poderia enfrentar”, avisou David Nabarro, coordenador da ONU para o ébola, afirmando que os esforços para conter a epidemia são hoje “20 vezes superiores” aos que eram necessários em Agosto.

Os especialistas insistem que é na África Ocidental que as atenções internacionais devem estar concentradas — modelos estatísticos dos CDC prevêem que mais de um milhão de pessoas pode ser infectada só na Libéria se a epidemia não for rapidamente contida —, mas foi o surgimento de casos isolados na Europa e nos EUA que mudou a percepção do mundo sobre a ameaça, até agora vista como um problema regional.

Neste sábado tem, o aeroporto JFK, em Nova Iorque, começou a fazer a despistagem sistemática aos passageiros que chegam ao país, pondo em prática um protocolo que será aplicado noutros quatro aeroportos internacionais, e o Reino Unido organizou um exercício nacional para testar o sistema de resposta ao eventual surgimento da doença no país. Em Espanha, a auxiliar de enfermagem Teresa Romero, o primeiro caso de contágio fora de África, apresentou algumas melhorias e o seu estado é descrito como “estável dentro de um quadro de gravidade”. 

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