São Tomé, onde nenhum Governo cumpriu uma legislatura, escolhe novo Parlamento

Estabilidade governativa é coisa que o país tem tido dificuldade em conseguir. Uma vitória do partido de Patrice Trovoada dificilmente deixará de se traduzir em novos choques com o Presidente, Pinto da Costa.

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O crescimento económico de São Tomé tem vindo a ser adiado Daniel Rocha

Quando, há menos de dois anos, em plena crise política, deu posse a uma coligação que substituiu o Governo minoritário de Patrice Trovoada, derrubado pelo Parlamento, o Presidente de São Tomé e Príncipe, Pinto da Costa, disse que se então houvesse eleições, “passados alguns meses o país estaria na mesma”. As eleições são este domingo e a grande incógnita é saber se o voto permitirá uma solução governativa estável ou tornará ainda mais complexo o jogo político no pequeno estado da costa ocidental africana, onde nenhum executivo cumpriu até agora os quatro anos de uma legislatura.

Os mais de 90 mil eleitores escolhem entre 12 forças políticas, em legislativas que coincidem com as autárquicas e com a eleição regional na ilha do Príncipe. É o culminar de um processo que, nas últimas semanas, alterou as rotinas: chegaram contentores com material de campanha, as principais forças políticas contrataram cantores de Angola e Cabo Verde para atrair eleitores, o início das aulas de mais de 60 mil alunos foi adiado devido à “envolvência dos docentes” na corrida eleitoral – justificação dada pelo Governo, que os críticos consideraram um expediente para contornar a falta de um acordo salarial e sobre o estatuto de carreira.

O resultado das eleições pode ser influenciado pela forma como os eleitores viram a crise política de 2012, quando a oposição se uniu para derrubar e substituir o governo de maioria relativa da Acção Democrática Independente (ADI), e pelo modo como encaram a ausência do país, durante quase dois anos, do então afastado primeiro-ministro, Patrice Trovoada.

Os partidos que se opõem à ADI procuram capitalizar a ausência de Trovoada – partiu em Dezembro de 2012, voltou há pouco mais de uma semana, de modo triunfal, com a corrida eleitoral em curso. Logo no início da campanha, Fradique de Menezes, ex-Presidente da República, líder do Movimento Democrático das Forças da Mudança - Partido Liberal (MDFM-PL) e também candidato a primeiro-ministro, que no começo da anterior legislatura apoiou o governo ADI, condenou a prolongada ausência. “Também São Tomé e Príncipe tem um dom Sebastião”, disse.

Na hora do regresso, Trovoada colocou a questão em termos muito mais concretos, num terreno que mais o pode favorecer: “O povo passou de um arroz limpo para um arroz podre. O povo passou de um arroz de 13 mil para um arroz a 27 ou 30 mil dobras [30 mil dobras equivalem a 1,21 euros]”, disse.

Uma história de instabilidade
A história eleitoral do país desde o início do multipartidarismo, em 1991, tem mostrado a preferência dos eleitores por quatro forças políticas que já venceram, todas elas, legislativas e fizeram entre si alianças de todo o tipo. Antes de, há quatro anos, votarem maioritariamente na ADI, à qual atribuíram então 42%, os santomenses tinham preferido maioritariamente o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP/PSD), antigo partido único; o Partido de Convergência Democrática (PCD), que ganhou as primeiras eleições abertas; e o MDFM-PL, criado em 2001 pelo então Presidente Menezes.

A dificuldade de obtenção de maiorias estáveis num país em que quatro partidos têm disputado entre si a preferência dos eleitores e a fragilidade das coligações ajudam a explicar a quase permanente instabilidade política – 17 governos e 14 primeiros-ministros desde a abertura política. Gerhard Seibert, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, investigador com trabalhos publicados sobre São Tomé, identificou também como elemento de instabilidade, num artigo publicado em 2013, o facto de, até 2006, o Presidente ter tido poderes muito alargados – que lhe permitiam facilmente demitir governos e dissolver o Parlamento – e de chefe de Estado e de governo terem quase sempre sido oriundos de áreas políticas diferentes.

Na crise de 2012, depois de se ver afastada por uma moção de censura, a ADI insistiu no nome do líder para o cargo de primeiro-ministro e reclamou – em alternativa – eleições. Mas o Presidente Pinto da Costa, oriundo do MLSTP, e os outros três partidos com representação parlamentar, que somavam 29 deputados num total de 55, não lhe fizeram a vontade e entenderam-se para levar a legislatura até ao fim. O chefe de Estado acusou Patrice Trovoada de ter agido com “fins meramente políticos e interesses partidários”, a ADI contestou a legalidade do processo e chegou a afastar-se temporariamente do Parlamento.

Feridas políticas
As trocas de acusações entre os dois campos não mais pararam. A ADI queixa-se de perseguição – acusa, por exemplo, o primeiro-ministro que agora cessa funções, Gabriel Costa, de manipular o Ministério Público, o qual, com eleições à vista, convocou Trovoada para ser ouvido num inquérito, alegadamente por acusações de branqueamento de capitais.

O partido de Trovoada apresentou, antes disso, uma queixa-crime no Tribunal Penal Internacional contra o Presidente da República, o presidente da Assembleia Nacional Popular, o primeiro-ministro e outros dirigentes, por “perseguição política”. Já em campanha, denunciou uma ordem de expulsão dada a uma dezena de estrangeiros, portugueses e romenos, contratados para trabalharem na logística eleitoral da ADI. Mas a expulsão não se confirmou.

A alegada perseguição a Patrice Trovoada, que fala em “justiça viciada”, levou um grupo de personalidades portuguesas, incluindo ex-governantes como Rui Pereira, José Lamego e Ângelo Correia, a lançarem um Manifesto pela Defesa da Democracia em São Tomé e Príncipe” em que se afirma que a substituição de Governo de há dois anos foi “ferida de ilegalidade”. No regresso a São Tomé, há pouco mais de uma semana, Trovoada era acompanhado por quatro deputados portugueses: Mário Ruivo e João Portugal, do PS, Nuno Serra, do PSD, e Ribeiro e Castro, do CDS-PP.

Sem se referir concretamente à presença de deputados portugueses ao lado de Trovoada, na semana passada, Gabriel Costa, citado pela agência STP-Press, criticou a “ingerência estrangeira”, dizendo que São Tomé não precisa de “padrinho” para realizar eleições democráticas.

Perspectivas
A ADI, que há quatro anos elegeu 26 deputados, mostrou na campanha força e meios para aspirar a um bom resultado. Pediu, como os outros partidos, maioria absoluta. Sem isso, “nada vai mudar”, tinha já dito o secretário-geral, Levy Nazaré.

Só que mesmo um cenário de maioria absoluta do partido de Patrice Trovada não é sinónimo de estabilidade política. Com um governo ADI são prováveis novos desentendimentos com o Presidente. Até porque, nas relações entre os Trovada e Pinto da Costa, a vertente política não pode ser desligada dos desencontros dos primeiros anos da independência, que culminaram com a prisão, entre 1979 e 1981, sem acusação formal nem julgamento, do pai de Patrice – Miguel Trovoada, agora representante do secretário-geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau, e que então chefiava o governo de partido único, do regime pró-soviético liderado pela actual Presidente.

“Se Trovoada ganhar, há um potencial de conflito com esse Presidente, o potencial de conflito seria muito maior do que com outro partido qualquer”, considera Gerhard Seibert, para quem seria uma surpresa que das eleições saísse uma maioria absoluta. Os cenários mais prováveis são “um governo minoritário ou uma coligação”, disse ao PÚBLICO.

O passado político de São Tomé impede que se afastem cenários. Mas as feridas abertas na última legislatura parecem tornar difícil uma solução de Governo de coligação em que a ADI tenha assento. A experiência dos dois últimos anos indicia, sim, uma possibilidade de entendimento entre MLSTP/PSD, que em 2010 elegeu 21 parlamentares e apresenta o economista Osvaldo Vaz como candidato à chefia do Governo; o PCD, que tinha sete deputados e propõe António Dias, ministro da Agricultura e Pescas nos dois últimos anos; e o MDFM-PL, que só teve um eleito no último escrutínio mas tinha conseguido 23 no anterior.

Gabriel Costa, ex-bastonário dos advogados, chamado para liderar, como independente, o executivo nascido do compromisso entre aqueles três partidos, é o nome forte da UDD (União dos Democratas para a Cidadania e Desenvolvimento), uma força política que não tinha qualquer deputado e que aspirará, no máximo, a conseguir representação parlamentar.

Juntamente com o recém-fundado Partido da Estabilidade e Progresso Social (PEPS), de Rafael Branco, dissidente do MLSTP, de que foi presidente e em nome do qual foi chefe do governo; e a Plataforma Nacional para o Desenvolvimento (PND), de António Quintas Aguiar; a UDD desejava uma convergência pós-eleitoral para converter em mandatos os votos das três forças políticas, mas o Tribunal Constitucional rejeitou a pretensão.

A influência do “banho”
Falar de eleições em São Tomé é também falar de “banho”, designação popular para a “compra de votos”, uma prática que se foi enraizando na política santomense. A comissão nacional de eleições fez insistentes apelos para que o “banho”  seja erradicado. Osvaldo Vaz, economista que é o candidato do MLSTP à chefia do Governo, disse acreditar que este ano não há “banho” porque o povo está mais consciente. Não ouviu, por certo, o que uma eleitora disse há dias a Ana Baptista, portuguesa que trabalha como consultora de comunicação em São Tomé: “Eu já disse que sem banho não voto”.

Manuel Dênde, jornalista da agência STP-Press, escreveu no início da campanha que, “de certeza ninguém quererá abrir mão”, do “banho” – um recurso a que se habituaram “todos os partidos que têm capacidade financeira”, afirma Gerhard Seibert. Para o investigador, o “banho por si só não pode decidir as eleições” mas “pode ser determinante se houver um resultado muito próximo”, disse ao PÚBLICO.

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