Prenzlauer Berg

Um taxista turco recolhe-me no bairro Prenzlauer Berg.  Sai do carro, apressa-se a retirar-me a bagagem das mãos e saúda-me em alemão. Não lhe respondo, limito-me a acenar em concordância. Ainda é quase madrugada e o meu fraco conhecimento da língua germânica ficou debaixo do edredon, aconchegado na minha almofada.

No táxi, muito asseado, cheirando a carro que não é novo e nem é velho, um odor difícil de decifrar de tão arejado que é, o rádio vinha sintonizado numa estação pop. Não me demoro a fechar as pálpebras e a afundar-me no banco de trás na esperança de resgatar, na distância que me levará até Tegel, os minutos de sono interrompidos bruscamente pelo alarme.

Mas foi cochilo de pouca dura. Intrigado com o formato da mala que leva no seu porta-bagagens, não resistiu em perguntar que tipo de instrumento carrego. – 'Uma tarola', respondi, certo de que não seria suficiente para satisfazer-lhe a curiosidade. 'O senhor é baterista?' Insistiu, agora com os olhos cintilantes como os de uma criança na fase de descoberta do mundo, em pulgas para saber o porquê das coisas. 'A tarola pertence ao baterista da minha banda'. Adivinhada a questão seguinte, não dei espaço e continuei: 'Sou um dos vocalistas e estou a caminho do nosso próximo concerto'. Naquele instante apercebi-me que lhe tocara num nervo sensível. O rosto do taxista iluminou-se, tentou esconder o entusiasmo, desculpando-se antecipadamente e num inglês manual de sobrevivência para motoristas de táxi ao serviço de turistas tagarelas.

'Porque que os negros têm tão boa voz? Nascem com ritmo e dom para cantar. Porque isso acontece?' Uma pergunta aparentemente óbvia, para quem varre a cidade de cima a baixo, e tem o rádio como o único companheiro de viagem. Para mim, que faço da canção o meu ofício, a resposta não me sai simples. Resumi-lhe a história da oralidade africana, a tradição dos griots, contadores de histórias oriundos da África Ocidental que narravam as aventuras e desventuras do seu povo em forma de verso, à volta da fogueira ou debaixo do embondeiro. Talvez esta necessidade de narrar a nossa história através da palavra dita nos tenha abençoada a voz, concluí. O taxista, sorridente apressou-se a contar-me que sempre gostou de cantar, o pai, preocupado com futuro do filho na Istambul dos anos 70, convenceu-o que poderia perseguir qualquer sonho, menos o da canção. Hoje, com este desejo atravessado na garganta, inscreveu-se em aulas de canto: 'Tenho trazido os meus exercícios para o táxi, a professora disse-me que é o sítio perfeito para praticar, conduzir e cantar', confessou-me, e aproveitou para aumentar o volume do rádio. Reconheci a voz de Pharrell Williams. Voltou o olhar na minha direcção e concluiu, 'mas o meu estilo é Snoop Dogg'. Pôs o pé no acelerador e debitou os versos do rapper californiano de forma imaculada como se tivesse vivido toda a sua vida em Los Angeles.

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