Crise impede doentes mentais crónicos de irem às consultas

Segurança Social tem de dar resposta às pessoas que não têm dinheiro para ir às consultas, alerta Álvaro de Carvalho, director do Programa Nacional de Saúde Mental.

Foto
Mortes ocorreram entre Dezembro e Janeiro, em Serviços de Urgência de diferentes hospitais Público/Arquivo

A crise está a fazer diminuir a afluência das pessoas com doença crónica mental às consultas. “As pessoas deixaram de ter dinheiro para custear os transportes, porque estão desempregadas; ou, estando empregadas, porque as entidades patronais se tornaram mais exigentes”, adiantou ao PÚBLICO Álvaro de Carvalho, o director do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral de Saúde (DGS).

Não se trata de uma realidade quantificável, mas, para Álvaro de Carvalho, é urgente que a Segurança Social apoie “as pessoas que, por dificuldades económicas comprovadas, deixaram de comparecer às consultas”. Até porque, se não houver resposta atempada, a factura a pagar será muito mais elevada. “Se as pessoas deixarem de se tratar, vão acabar por ir parar às urgências”, sublinhou.

A crise tem, por outro lado, feito a aumentar os casos de maus-tratos a crianças e adolescentes que acorrem quer às urgências psiquiátricas quer às consultas de psiquiatria infantil. “Tal como em qualquer situação de crise económica, temos assistido a um aumento das situações de maus-tratos e de mortes violentas e a uma redução das mortes por acidente de viação”, contextualizou aquele responsável, a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental que se assinala esta sexta-feira.

No diagnóstico à capacidade de resposta dos serviços de saúde mental, há várias lacunas a apontar. Desde logo, faltam camas para internar crianças e adolescentes com problemas mentais. O país dispõe de apenas 20 (10 em Lisboa e 10 no Porto) e seriam precisas pelo menos 40. Já em Julho, o director do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Psiquiátrico de Coimbra, José Garrido, explicava que a inexistência de camas para internamento obriga a que estas crianças e adolescentes sejam incorrectamente seguidos em consultas externas. Consequentemente, os médicos recorrem a “doses de medicação mais elevadas para conter comportamentos desadequados de forma puramente química”, como alertou então aquele responsável.

Cinco médicos para 66 mil habitantes
O grupo de trabalho que avaliou, em meados deste ano, a prestação de cuidados de saúde mental em Portugal, e a fazer um levantamento das respectivas necessidades, concluiu que, no âmbito da psiquiatria da infância e adolescência, existem apenas cinco pedopsiquiatras por cada 66 mil habitantes. No Alentejo, a desproporção é ainda mais vincada: há apenas um médico por cada 66 mil habitantes. A resposta a este problema, segundo Álvaro de Carvalho, terá de passar pelo reforço da capacidade formativa. “Só temos dois centros formativos nesta área, em Lisboa e no Porto. Quando tivermos Coimbra também a funcionar, vamos aumentar essa capacidade em pelo menos um terço”, enfatizou.

No tocante à psiquiatria de adultos, há médicos que cheguem mas estão mal distribuídos. Portugal tem dois médicos por cada 25 mil habitantes, o dobro do recomendado, mas no Alentejo, por exemplo, esse rácio desce para os 0,5 médicos por cada 25 mil habitantes. Por causa de problemas como este, o relatório, que esteve até ao final de Setembro em consulta pública, conclui: “Os tempos de espera para consulta, mormente após a alta de um episódio de internamento, facilitam os reinternamentos, obstaculizando as probabilidades de recuperação de padrões de vida compatíveis com a dignidade da pessoa portadora de doença mental”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários