Nem os aviões americanos impediram a entrada dos jihadistas em Kobani

Combates travam-se já nas ruas da cidade curda junto à Turquia. Ofensiva expõe limites dos ataques aéreos para enfraquecer e derrotar Estado Islâmico.

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Combatentes jihadistas hasteam bandeira do Estado Islâmico numa colina sobre Kobani Aris Messinis/AFP

A batalha por Kobani não resume a guerra na Síria nem sequer a ofensiva aérea que a coligação liderada pelos Estados Unidos iniciou há duas semanas contra o Estado Islâmico. Mas a desesperada luta dos guerrilheiros curdos para defender a cidade colada à fronteira com a Turquia dá força aos argumentos de quem assegura que as bombas largadas do ar não são suficientes para vencer – ou sequer travar durante muito tempo – os jihadistas, um inimigo que opera num terreno favorável e que tem grande capacidade de adaptação.

“Eles estão a cercar a cercar a cidade por três lados e os aviões não os podem atacar a todos no terreno”, disse ao jornal britânico Guardian Idris Nassan, porta-voz das Unidades de Protecção Popular (YPG), a milícia curda síria que promete defender até à morte a cidade que os jihadistas tentam há três semanas capturar. Um objectivo que parecia nesta segunda-feira mais próximo do que nunca.

Ao início da tarde, jornalistas que seguem os combates do lado turco da fronteira avistaram uma bandeira negra, com as insígnias dos radicais, hasteada sobre um prédio de quatro andares na entrada Leste de Kobani. Algum tempo depois, um segundo estandarte foi colocado sobre a colina de Mistenur, uma elevação a sul da cidade. Nassan confirmou que a colina tinha sido tomada e que era apenas uma questão de tempo até as defesas da cidade começarem a cair. Ao final do dia, dois mil civis que ainda permaneciam em Kobani foram retirados e o director do Observatório Sírio dos Direitos Humanos adiantou que havia já combates em dois bairros na entrada Leste. “A guerra urbana começou”, disse à AFP Abdel Rahman, explicando que jihadistas e guerrilheiros “se enfrentavam já nas ruas”.

Um avanço que aconteceu depois de, no fim-de-semana, os aviões norte-americanos e dos aliados árabes terem intensificado os bombardeamentos na zona. Um esforço em vão, garantia Idris Nassan. “De cada vez que um jacto se aproxima, eles abandonam as posições a descoberto, dispersam-se e escondem-se”, explicou o responsável curdo, pedindo ao invés armas e munições para quem combate no terreno.

Os EUA reconhecem que o inimigo é perito a adaptar-se às novas condições no terreno, mas alega que os ataques aéreos estão a limitar a capacidade ofensiva aos radicais, que agora se movimentam em grupos mais pequenos e a coberto da noite, evitam as comunicações por rádio ou telemóvel e retiraram de circulação muitos dos blindados que tinham capturado aos Exércitos sírio e iraquiano. Como resumiu o almirante John Kirby, porta-voz do Pentágono, “já não actuam livremente, porque sabem que estão a ser observados do ar”.

Mas depois de alguns sucessos no início da campanha aérea no Iraque, como a reconquista da estratégica barragem de Mossul, em Agosto, as críticas que se ouvem em Kobani repetem-se noutros pontos da Síria, em Washington ou em Londres. Os ataques até agora têm sido inúteis”, disse ao Wall Street Journal Mohamad Hassan, membro da oposição ao regime do Presidente Bashar al-Assad, explicando que “a maioria dos campos de treino e das bases [do Estado Islâmico] estavam vazias quando a coligação as bombardeou”.

Fontes citadas num artigo publicado na semana passada pela agência AP adiantavam que, ao não coordenar as operações com a oposição síria no terreno, o Pentágono depende sobretudo de meios aéreos (satélites, drones e voos de vigilância) para identificar alvos. Christopher Harmer, do Instituto de Estudos da Guerra em Washington, concorda que os EUA se debatem com falta de informação fidedigna, o que, segundo os seus cálculos, faz com que apenas 10% das missões realizadas tenham resultado em ataques ao solo. Mas ao WSJ, o analista explicou que a falta de eficácia tem também a ver com as características do inimigo: “O Estado Islâmico não tem uma estrutura vulnerável aos ataques aéreos. Têm poucos alvos estáticos. Podemos bombardear um edifício aqui, um tanque ali, mas os seus combatentes são muito bons a misturar-se com a população civil”.

Avaliações que servem de munições a quem critica a estratégia do Presidente norte-americano, Barack Obama, para “enfraquecer e destruir” o Estado Islâmico, insistindo que os ataques aéreos são insuficientes para atingir sequer o primeiro dos objectivos. “O poder de fogo aéreo não nos vai permitir vencer esta campanha”, disse o general Savid Richards, antigo chefe do Estado-Maior britânico, defendendo a presença de tropas no terreno. “Este é um inimigo convencional com tanques, artilharia, que é bem financiado e controla território”, afirmou, citado pelo Guardian. O senador norte-americano Lindsay Graham, um dos “falcões” do Congresso, afirmou à CNN que a estratégia para armar a oposição síria moderada, usando-se como força no terreno, “é militarmente ilógica” e “levará à sua chacina”.

A queda de Kobani será, por isso, o primeiro grande revés da coligação liderada pelos EUA. Esmat al-Sheikh, comandante da defesa da cidade, garantiu à Reuters que os curdos lutarão até ao fim para que isso não aconteça. “Se eles entrarem, Kobani será o nosso túmulo e o deles. Não deixaremos que eles tomem a cidade enquanto estivermos vivos”.

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