Obrigado a superar-se

António Costa chegou ao Fórum Lisboa com um simbólico cravo vermelho no bolso do casaco e um ar de quem já sabia que tinha ganho as primárias. Costa chegou com o ar triunfante de quem até já antevia que a sua vitória seria esmagadora, como foi: uns surpreendentes 70% contra uns magros 30% de António José Seguro, o secretário-geral que não tardou a assumir a derrota e a demitir-se, com uma assinalável dignidade.

Poucos depois, já sem cravo no bolso, Costa sobe ao palco e proclama o seu discurso de vitória, ladeado por Manuel Alegre, Carlos César e Ana Catarina Mendonça Mendes. Garante que o PS “reencontrou a identidade” e assume claramente aquilo que é o objectivo a que está obrigado, o de ganhar as legislativas: "Este é o primeiro dia de uma nova maioria de governo, este é o primeiro dia dos últimos dias do Governo."

O tom era quase apoteótico, perante uma sala cheia que festejava como se já fosse governo. Mas de facto o que aconteceu neste domingo apenas foi o assumir de que o PS tem de ganhar as próximas eleições legislativas. E ganhá-las com maioria absoluta.

Para isso falta a António Costa tudo. E esse tudo passa por unir o partido, passa pelo elaborar de um programa e passa por começar a liderar a oposição ao Governo. Só que para o conseguir António Costa terá de se superar na sua prestação política.

Se quer ser primeiro-ministro e obter uma maioria absoluta, Costa não pode surgir perante o país com um discurso vago e um ar blasé de quem se acha especialmente dotado para a política e por isso não tem de investir nem de se preparar muito. Há muito trabalho de casa que o novo líder do PS tem que fazer se quer mesmo ser primeiro-ministro.

A começar por elaborar e apresentar um programa consistente e coerente de governo, que seja bem mais que um arrazoado de palavras vagas e boas intenções e de proclamações de valores de esquerda.

Mas Costa tem também que unir um partido que está partido de uma forma inédita pelos níveis de violência que se viveram nesta sua disputa com António José Seguro.

Costa mostrou que não está a feijões. Logo na mesma noite, a título de cumprimentar Jorge Coelho, fez questão de entrar na sede nacional do PS, no Largo do Rato, em Lisboa, num gesto simbólico e real de ocupação do espaço do poder partidário que agora é seu.

E no discurso de vitória, Costa foi implacável com Seguro. Ignorou-o em absoluto, dando um mau sinal sobre o que será a pacificação interna. Resta esperar que o facto de a vitória ser tão expressiva permita que Costa arrefeça a emotividade da vitória e consiga ganhar alguma racionalidade que lhe permita assegurar que tem um partido operacional para as legislativas.

Até porque dificilmente os apoiantes de Seguro têm condições de tentar fazer do Congresso que se segue um palco de prolongamento da disputa. Seguro não foi além de cerca de 30 % nas primárias. Esteve próximo de um resultado humilhante. A dignidade que teve na demissão e o desprendimento que mostrou permitem a expectativa de que saberá sair de cena sem deixar que, em seu nome, os seus apoiantes tentem minar o poder de Costa.

A expectativa é a de saber se Seguro está disposto a manter a dignidade que mostrou no acto da demissão e deixar o tom e a imagem agressiva e de quase desespero pelo medo de perder o poder partidário que acabou por transmitir de si ao longo dos últimos quatro meses. Até porque se Seguro vai ficar para a história com a imagem de um fraco líder quer nunca se afirmou realmente como alternativa de poder, o que é facto é que foi pela mão de Seguro que as eleições primárias entraram na política portuguesa.

Seguro impôs uma inovação na organização da vida partidária à martelada e sem rede. Avançou para primárias sem sequer estas estarem reguladas dentro do PS. Mas a verdade é que depois do sucesso que estas eleições tiveram – em grande parte devido a Jorge Coelho que foi seguramente um dos vencedores deste domingo -, dificilmente a política portuguesa poderá deixar de recorrer a este tipo de método de escolha. Até porque um líder que é eleito com esta dupla legitimidade – a do partido e a da sociedade – não pode determinar que o seu sucessor passe a ter apenas a legitimidade da escolha partidária.

Neste novo PS que acaba por nascer destas primárias e que agora irá eleger o novo secretário-geral com os tradicionais métodos partidários (directas e congresso) é importante que haja noção do que o partido existe para servir a sociedade e representar os cidadãos. E nesse sentido, António Costa tem que ter consciência e sangue-frio para não se esquecer que um partido vitorioso é aquele que sabe construir em conjunto um projecto de poder para apresentar aos eleitores.

Acabou o tempo e o espaço para guerras internas e rasteiras de bastidores. Depois de exporem o país a uma luta, em que muitas vezes se perderam em pura violência e desprezo mútuo, é altura de começar a falar de política. Só assim António Costa será realmente vencedor, no dia em que mostrar que vem para fazer aquilo que a si mesmo se obrigou: governar com maioria absoluta.

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