A "maré negra" da Petrobras alastrou pela campanha eleitoral do Brasil

Um escândalo de corrupção abala a confiança na gestão da petrolífera estatal brasileira – e do Governo de Dilma Rousseff.

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VANDERLEI ALMEIDA/AFP

A Petrobras – a estatal petrolífera, maior empresa do país e fiel da balança comercial brasileira – é ao mesmo tempo um símbolo de desenvolvimento nacional, um paradigma do potencial do Brasil e um espelho tanto das dificuldades como dos desafios que ainda permanecem por ultrapassar. A companhia esteve sempre no centro do debate político nacional, mas provavelmente nunca tanto como nesta campanha eleitoral – e por variadíssimas razões.

A primeira tem naturalmente a ver com a riqueza intrínseca que representa, e que justifica o interesse – louvável e indispensável – da discussão política em torno da exploração dos recursos naturais do país; da revisão do modelo de negócio e de gestão da estatal, ou dos benefícios ou prejuízos de uma eventual privatização da companhia (que só é defendida abertamente por um dos candidatos presidenciais, o pastor Everaldo).

Mas é sobretudo por causa de um escândalo de corrupção que voltou a expôr teias de conivências, favorecimentos e pagamentos ilícitos entre os partidos do poder e o mundo dos negócios, e também por actos de gestão passada que comprometem a imagem de competência e idoneidade da Presidente Dilma Rousseff, candidata a um segundo mandato, que o “assunto” Petrobras persiste no topo das atenções da campanha eleitoral.

O poder económico da Petrobras é colossal. O segmento do petróleo e gás natural representa 13% do Produto Interno Bruto do país – a empresa estatal responde por 80% da produção petrolífera brasileira, com 2,6 milhões de barris por dia em 2014. Mas mais do que a riqueza, há uma dimensão quase ontológica, uma natureza essencial, que explica a importância da Petrobas no imaginário colectivo brasileiro. Como escrevia, sem recorrer à adjectivação, a britânica Reuters, a sua mera existência e actividade alimenta um “nacionalismo petrolífero” que converteu a companhia estatal em fonte e motivo de orgulho para o país.

É um sentimento que a campanha de Dilma Rousseff tem tentado acirrar, anunciando um futuro de benefícios decorrente da exploração da nova camada de jazidas petrolíferas a uma profundidade de 7 mil metros, o pré-sal, que de acordo com as estimativas poderá render ao Brasil 1,3 milhão de milhões de dólares nos próximos 35 anos, e catapultar o país para o 6º lugar na lista dos maiores produtores mundiais.

O problema para a Presidente é que qualquer referência sua à Petrobras, nesta fase do campeonato, pode ser-lhe mais prejudicial, política e eleitoralmente, do que o silêncio. A candidatura prefere lançar o seu antecessor, Lula da Silva, para gritar de cima do palanque que “o petróleo é o passaporte para o futuro do país”.

O negócio de Pasadena
Em 2006, Dilma Rousseff era a presidente do conselho de administração da estatal quando esta avançou com um negócio para a compra de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, que veio a revelar-se ruinoso para as contas da empresa brasileira. Por metade do capital, a Petrobras pagou inicialmente 360 milhões de dólares, muito mais do que os 42,5 milhões que a sua sócia belga Astra Oil Trading tinha desembolsado em 2005 pela totalidade do equipamento. O buraco financeiro agudizou-se quando as duas empresas se desentenderam e, de acordo com o contrato, a Petrobras foi obrigada a adquirir o resto das acções, por 820,5 milhões de dólares, em 2012. Feitas as contas, a companhia brasileira terá gasto um valor 28 vezes superior ao preço de mercado da refinaria.

O polémico negócio está a ser investigado pela Polícia federal, o Ministério Público brasileiro e o Tribunal de Contas da União, por suspeitas de sobrefacturação e evasão de divisas. É ainda, objecto de análise em duas comissões parlamentares de inquérito: além da refinaria de Pasadena, os congressistas estão a apurar eventuais irregularidades na construção da refinaria Abreu e Lima, no estado de Pernambuco. Sob pressão, a Presidente tem manifestado a sua total tranquilidade face aos inquéritos em curso – e para já não foi apontada como conhecedora ou conivente com o esquema de corrupção, nem indiciada por suspeita de qualquer crime ou irregularidade.

A “mácula” deste escândalo para Dilma Rousseff tem a ver com a imagem de rigor, competência e profissionalismo que há anos o PT e o Planalto têm vindo a associar à Presidente. “O negócio parecia vantajoso”, justificou a Presidente, numa carta explicativa remetida ao jornal Estado de São Paulo em que reconhecia que a decisão assentara em “informações incompletas” de um “parecer técnica e juridicamente falho”. Rousseff afirmou que só deu o aval à compra inicial de 50% da unidade de Pasadena, e que a proposta apresentada à administração era omissa em relação às cláusulas que determinavam a compra do restante capital em caso de desacordo e garantiam à Astra Oil um lucro anual de 6,9%.

A investigação à Petrobras surgiu na sequência de uma operação realizada em Março pela justiça brasileira para “desarticular organizações criminosas que tinham como finalidade a lavagem de dinheiro”. A operação Lava Jato, como foi denominada, tinha como principal suspeito Alberto Yousseff, um “doleiro” (isto é, alguém que faz transferências de dinheiro para o exterior sem declarar, burlando o fisco) com ligações a membros do PT e ao ex-director da Petrobras Paulo Roberto Costa. O antigo responsável pelo departamento de abastecimento da estatal foi detido e acusado de ser o coordenador do esquema de corrupção – através da entrega de “propinas” – nos contratos celebrados pela petrolífera.

Costa fechou um acordo de delação premiada com o Ministério Público (um expediente de investigação judicial que oferece redução de pena e liberdade antecipada em troca de informações e provas documentais) e, como resumiu a revista Exame, “colocou a boca no trombone”, revelando uma lista de políticos envolvidos no esquema que continha o nome de “pelo menos 25 deputados, três governadores, seis senadores e um ministro”. Entre eles, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e os presidentes do Senado e da Câmara de Deputados, respectivamente Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves – todos membros do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB), do vice-presidente Michel Temer. Alegadamente envolvidos estarão também dirigentes do Partido Socialista Brasileiro (PSB), incluindo o malogrado líder e candidato presidencial Eduardo Campos, e do Partido Progressista (PP): movimentos que integraram (ou ainda integram) a base aliada do PT no Governo.

A delação de Paulo Roberto Costa, que já realizou cem depoimentos, faz dele um “homem-bomba que pode interferir na eleição de diversos políticos brasileiros” , nota o El País. “Essas denúncias mostram que o mensalão não acabou, ou pelo menos que se criou o mensalão 2 durante todo este período de Governo do PT”, atacou o candidato do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Aécio Neves. O líder dos tucanos referia-se ao esquema de distribuição de “propinas” em troca de votos no Congresso que vigorou durante o primeiro mandato de Lula da Silva, orquestrado por dirigentes do partido e empresários já julgados e condenados.

As informações prestadas pelo ex-director da Petrobras estão cobertas pelo segredo de justiça, mas vários detalhes da investigação têm sido vazados para a imprensa. Sabe-se, por exemplo, que o ex-director assumiu ter recebido uma “comissão” de 1,5 milhão de dólares para “não atrapalhar” a compra da refinaria de Pasadena, e admitiu ainda ter obtido 23 milhões de dólares de uma empreiteira internacional interessada em fazer negócio no Brasil (o dinheiro estará bloqueado em 12 contas bancárias na Suíça), revelou o jornal O Globo. Entretanto, o Tribunal de Contas da União já encontrou indícios de sobrefacturação em quatro contratos da Petrobras para a construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco.

Marina Silva, a candidata da coligação Unidos pelo Brasil, liderada pelo PSB, repete que o escândalo de corrupção da Petrobras é representativo dos erros e fracassos de Dilma e do PT na gestão da empresa, do Governo e do país. “Na campanha eleitoral, sou caluniada e acusada de ser contra esse património do Brasil. Mas enquanto essa mentira é alardeada por todos os meios, a Petrobras é destruída pelo uso político, o apadrinhamento e a corrupção”, denunciou a ambientalista, cujo programa eleitoral defende efusivamente a aposta nas energias alternativas e é relativamente omisso em termos de propostas para o aproveitamento das receitas do petróleo.

Um futuro sombrio?
Um outro problema para as aspirações eleitorais da Presidente diz respeito à própria actividade, rentabilidade e situação financeira da petrolífera estatal. Os vídeos de campanha exaltam as políticas do seu Governo, particularmente a lei que atribuiu à Petrobras um maior controlo sobre os imensos depósitos da camada do pré-sal e que canalizou as receitas dessa exploração off-shore para o financiamento da educação e da saúde do Brasil. No entanto, segundo os analistas do sector, a actividade da Petrobras está comprometida pela estagnação e até decréscimo da produção, e pelos elevadíssimos custos e investimentos necessários à exploração dos recursos do pré-sal. 

Uma outra decisão do Governo de Dilma, o tabelamento de preços praticado pela Petrobras (para impedir o aumento da inflação), é criticada pelos analistas de mercado como um desastre financeiro, que atirou a estatal brasileira para o topo da lista das petrolíferas mais endividadas do mundo e para o fundo da tabela das mais rentáveis. Como a Petrobras não tem capacidade instalada para abastecer a procura doméstica, tem de recorrer ao mercado externo, mas como o Governo travou a subida dos preços, cada barril importado é vendido abaixo do preço. O que quer dizer que os milhares de brasileiros que detém acções da empresa por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – através do qual “descontam” para a reforma – têm os seus rendimentos comprometidos.

Além disso, há casos que, não tendo nada a ver com decisões directas do Governo, mantêm os investidores internacionais em estado de alerta, diminuindo o seu interesse e aumentando a sua desconfiança quanto ao risco e ao potencial do Brasil. O mais óbvio é o do colapso do império EBX do empresário Eike Batista, um dos maiores interessados na exploração do pré-sal: a produção dos seus blocos petrolíferos de Tubarão Azul, na bacia de Campos, acabou por revelar-se um completo fiasco.

Os analistas económicos concordam que o revés da fortuna de Eike Batista não é representativo da realidade empresarial brasileira e muito menos das perspectivas do aproveitamento do pré-sal (para já, o plano de negócios da Petrobras não se ressentiu). Mas concedem que esse tipo de episódios de fracasso, numa conjuntura de estagnação económica, alimenta a ideia de instabilidade macroeconómica que afasta o investimento.

Pelo seu lado, os analistas políticos acreditam que a Presidente Dilma Rousseff será mais penalizada pela turbulência económica do que pelo escândalo da Petrobras. Tal como Lula da Silva escapou incólume do mensalão (e foi reeleito durante a investigação do caso), também as dúvidas lançadas contra a candidata petista deverão ser descontadas pelo eleitorado como episódios típicos do combate eleitoral.

Além de que, em termos da retórica relativa à Petrobras, Dilma é a candidata mais assertiva na defesa da estatal. Marina Silva, que é adepta da mudança de paradigma das energias fósseis para as renováveis, está forçada a jogar à defesa e explicar porque a petrolífera não fará parte das suas prioridades se chegar ao Governo. E Aécio Neves não se livra do estigma da proposta de privatização da companhia, que chegou a ser aventada nos governos PSDB de Fernando Henrique Cardoso.

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