Bastonário dos médicos exige ver plano de tratamento de hepatite C

José Manuel Silva recomenda a clínicos que peçam autorizações de utilização excepcional de fármaco inovador para todos os casos em que tal se justifique

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José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos

O bastonário da Ordem dos Médicos desafia o Ministério da Saúde e a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) a divulgar o plano de contingência de cinco anos para o tratamento de doentes com hepatite C que quarta-feira foi noticiado. “Quero ver o plano”, reclama José Manuel Silva, que estranha o facto de a intenção de disponibilizar 20 milhões de euros por ano para combater a doença ter sido anunciada numa altura em que ainda não há um acordo com o laboratório norte-americano que comercializa a mais recente medicação inovadora para a doença, o sofobusvir, ao contrário do que sucede em Espanha, onde acabam de ficar concluídas as negociações.

“Uma postura destas não é séria. Acho que se falou neste plano porque Espanha anunciou ter chegado a um acordo [com o laboratório na quarta-feira]. Quiseram aliviar a pressão aludindo a um plano que, pelos valores conhecidos, é absolutamente irrealista”, afirma o bastonário.  Pelas suas contas, os números avançados implicariam que nova terapia ficasse por um preço da ordem dos 16 mil euros, quando a última proposta do laboratório, que começou por pedir 48 mil euros durante as negociações, ascende a  42 mil euros por 12 semanas de tratamento (sublinhe-se que esta terapia é dada em associação com outros fármacos e em casos mais graves o período de tratamento pode ser alargado até às 24 semanas).

José Manuel Silva nota ainda que, se fosse mesmo possível tratar 1200 doentes em cada ano com a verba anunciada, "em dez anos -  e tendo em conta que há 13 mil doentes diagnosticados nos hospitais – seria possível acabar com o problema, bastando para isso cerca de 200 milhões de euros”. O objectivo da tutela é tratar entre 1000 a 1200 doentes por ano mas estes números são meramente indicativos, estando o plano ainda a ser ultimado, segundo uma fonte da tutela, que explica que nem todos os pacientes terão acesso ao novo fármaco, podendo alguns ser tratados com as terapias mais clássicas.

Os valores avançados, insiste por outro lado o bastonário, fazem cair por terra os argumentos dos que afirmaram que o tratamento dos doentes com hepatite C poderia custar aos cofres do Estado mais de mil milhões de euros. “Andaram a mentir para justificar o não tratamento dos doentes”, critica. José Manuel Silva faz outras contas para concluir que, “ mesmo que se tratassem actualmente todos os doentes identificados em Portugal seguidos em consultas do SNS, com hepatite (…) o custo máximo da utilização do novo medicamento seria “apenas” de 600 milhões de euros” e, destes, “cerca de 30-40% são prioritários para tratar”.

O laboratório norte-americano Gilead Sciences que tem a patente do fármaco sofobusvir adiantou entretanto ao i que também desconhece o plano de cinco anos e não se mostrou disponível para alterar a última proposta apresentada ao ministério. Em Espanha, segundo o El País, terá ficado acordado um preço de 25 mil euros por doente tratado, mas também se definiu um limite de pacientes a tratar por ano.

Num editorial a publicar na próxima edição da revista da OM, José Manuel Silva vai ainda aconselhar os clínicos que seguem os doentes com hepatite C a cumprirem as orientações da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) e a pedirem autorizações de utilização excepcional sempre que tal cientificamente se justifique. Estes pedidos de autorização são a única forma possível de disponibilizar aos doentes qualquer substância nova que, apesar de estar aprovada pela Agência Europeia do Medicamento, ainda aguarda definição do preço e comparticipação em Portugal.

Lembrando que as condições de aprovação dos pedidos de autorização excepcional já estão definidas pelo Infarmed para os casos da hepatite C, ainda que em condições “extraordinariamente restringentes que limitam o tratamento a doentes quase terminais”, o bastonário explica que os clínicos as devem pedir também para outros casos, à cautela. Como o Infarmed afirma que aceita apreciar outros pedidos de acordo com as guidelines da EASL, “os clínicos devem solicitar autorizações para todos os doentes em que cientificamente se justifique de acordo com as indicações” desta associação europeia, recomenda. Caso não o façam, se surgir algum problema com algum doente que tenha indicação terapêutica pela EASL, “o Ministério da Saúde pode ´lavar as mãos´ da situação alegando que foi o médico que não pediu a AE”, alerta.

Segundo a informação avançada ao i pelo Infarmed foram emitidas 29 autorizações de utilização excepcional do sofobusvir, mas o laboratório refere que apenas 11 doentes tiveram acesso à terapia em Portugal, sendo que quatro a pagaram do seu bolso.

Infarmed oficializa plano
O Infarmed confirmou esta sexta-feira, em nota de imprensa, que o Ministério da Saúde vai lançar um programa a cinco anos de combate à hepatite C, para o qual disponibilizará já no próximo ano uma verba de 20 milhões de euros, tal como o PÚBLICO noticiou.  "Numa primeira fase, além das medidas em curso ao nível da prevenção primária, serão elegíveis para tratamento com diferentes combinações de fármacos, consoante o genótipo do vírus da hepatite C, pessoas que reúnam critérios para tratamento em função da gravidade da doença", explica a Autoridade Nacional do Medicamento que não faz qualquer referência ao número de doentes que este plano poderá envolver. Actualmente, o Estado gasta cerca de 5 milhões de euros por ano com a hepatite C, passa agora a 20 milhões por ano. Com o VIH/Sida, por exemplo, são gastos mais de 200 milhões. 

Com este plano de combate á hepatite C, os doentes prioritários são aqueles cuja infecção se encontra em fase mais avançadas, sendo o tratamento progressivamente alargado àqueles que se encontram em fases mais precoces da doença. As regras de tratamento são definidas por um conjunto de especialistas, exclusivamente de acordo com critérios clínicos que incluem a gravidade da doença. Os ganhos em saúde obtidos em cada tratamento serão acompanhados e registados, o que implica obrigatoriamente o reporte, por parte dos hospitais, dos resultados dos tratamentos.

O acesso aos novos medicamentos tem sido assegurado a doentes prioritários, estimados em 150 até ao final do ano, através de autorizações excepcionais, concedidas pelo Infarmed de acordo com critérios clínicos pré-definidos e internacionalmente estabelecidos. O Infarmed anunciou ainda que foi autorizado em Portugal um ensaio clínico que permitirá o tratamento a pelo menos 130 infectados, com um esquema terapêutico dos mais inovadores e desenhado para doentes com patologia em fase avançada de evolução.

A autoridade do medicamento sublinha que Portugal está "fortemente empenhado" nas várias iniciativas que decorrem na Europa para redução de preços. "Brevemente ficarão disponíveis medicamentos igualmente, ou ainda mais, eficazes para controlo da doença que promoverão custos de tratamento mais comportáveis para todos os Portugueses", acrescenta.

Notícia actializada com comunicado da Autoridade Nacional do Medicamento, Infarmed

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