Passos Coelho recebeu reembolso de despesas, mas não revelou quanto

Primeiro-ministro respondeu às dúvidas dos deputados sobre a sua ligação a uma ONG quando era deputado em exclusividade na AR. Seguro pediu o levantamento do sigilo bancário. Passos recusou fazer striptease das suas contas.

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Passos no debate desta sexta-feira... Pedro Nunes
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... e o líder socialista, António José Seguro Pedro Nunes

O primeiro-ministro tomou a iniciativa de dar explicações ao Parlamento sobre a sua relação com a Tecnoforma e gastou quase as duas horas a fazê-lo.

Garantiu que não recebeu qualquer remuneração fixa, mas que foi reembolsado em despesas de almoços e de viagens. Ficou por saber quais os valores em causa, apesar da insistência da oposição. Na bancada do PSD sentiu-se alívio.

“Nunca, enquanto deputado, recebi qualquer valor da Tecnoforma”, sustentou Passos Coelho, revelando que durante o período em causa, de 1995 a 1999, apresentou despesas. “Posso ter apresentado despesas de representação, almoços que possa ter realizado, deslocações que realizei seguramente a Bruxelas, Cabo Verde e até dentro do território nacional”, começou por afirmar na intervenção inicial do debate.

Na resposta ao secretário-geral do PS, António José Seguro, Passos Coelho foi mais peremptório: “Não posso ser mais rigoroso do que dizer que apresentei essas despesas ao Centro Português de Cooperação. É isto que posso dizer sob compromisso de honra ao Parlamento”. Numa outra resposta, desta vez à coordenadora do BE, Passos Coelho disse que foi reembolsado em despesas, sugerindo que recebeu dinheiro contra a apresentação de facturas de almoços e viagens enquanto presidiu ao Centro Português para a Cooperação, uma organização não governamental criada pela Tecnoforma.  

Além de se resguardar no despacho de arquivamento da denúncia em torno deste caso, o chefe de Governo disse não ter um estilo de vida compatível com os rendimentos que lhe apontam ter recebido. “Quem me conhece há muitos anos sabe  - e isso é comprovável - que não possuo outro património senão aquele que está declarado”, afirmou, garantindo que vive do seu trabalho. “Não tenho outros rendimentos se não os que aufiro do meu trabalho. Não possuo nenhuma riqueza acumulável. Não tenho em nome de filhas, primos, quaisquer bens”. E concluiu: “O facto de ser uma pessoa remediada nunca me impediu de agir de acordo com a minha consciência, mesmo que isso possa ter desagradado a algumas pessoas com influência”.

Indignado com o acesso a que jornalistas tiveram a declarações de IRS – uma “violação do Estado de direito” – Passos Coelho revelou que, ainda assim, irá autorizar a divulgação de aspectos dessas declarações que a si dizem respeito, deixando de fora os que são relativos ao seu agregado familiar.

A sua intervenção inicial – que a Presidente da Assembleia da República deixou ultrapassar os 10 minutos previstos – foi pontuada por palmas das bancadas da maioria. No final, os deputados do PSD e do CDS aplaudiram de pé.

As explicações não convenceram António José Seguro. O líder do PS desafiou o primeiro-ministro a permitir o levantamento do sigilo bancário e “mostrar de que forma recebeu e quanto recebeu”. Na resposta, Passos definiu que a questão fundamental não é “vasculhar” as suas contas bancárias, mas se auferiu ou não qualquer rendimento enquanto deputado em exclusividade. “Não, não recebi, não, não há dúvidas”, reiterou Passos Coelho, rejeitando fazer um “striptease” das contas bancárias. Esclareceu ainda que não teve cartões de crédito, que não recebeu remunerações e que não afectou o compromisso de exclusividade.

À saída do debate, Seguro não descartou a possibilidade de uma comissão parlamentar de inquérito mas disse que, para já, o PS dispõe de “instrumentos suficientes para suscitar mais informação na administração fiscal e na Segurança Social”.

Limites de despesas para IRS
As perguntas sobre o quanto e o como Passos Coelho recebeu do CPC foram repetidas por PCP e BE. O líder dos comunistas lembrou que as despesas de representação têm um limite a partir do qual é obrigatório declarar em sede de IRS. Mas a questão – sublinhou Jerónimo de Sousa – não é fiscal, é política. O secretário-geral do PCP questionou o primeiro-ministro por que razão não mencionou no registo de interesses entregue no Parlamento a sua colaboração com o CPC e por que não declarou as despesas de representação que recebeu, tal como fez com os rendimentos que obteve em resultado de colaborações com órgãos de comunicação social.

"Mesmo as despesas de representação tem limites, não sabemos se recebeu ou não, e se recebeu, se atingiu ou não esses limites. Este é o apuramento da verdade que está a ser feito, não se trata de vasculhar coisa nenhuma. Em nome do seu bom nome e da dignificação da política, este esclarecimento tem de ser feito. Sim ou não recebeu dinheiro dessa entidade que não está no registo de interesses e quanto recebeu", questionou Jerónimo de Sousa. O secretário-geral do PCP avivou ainda a memória do primeiro-ministro sobre a razão pela qual não podia ter pedido o subsídio vitalício de deputado: era preciso ter mais de 55 anos, idade que Passos Coelho ainda não atingiu, além de não ser acumulável com o subsídio de reintegração, que recebeu.

A coordenadora do Bloco de Esquerda quis saber quanto é que Passos Coelho recebeu em despesas de representação, mas o primeiro-ministro não revelou valores. “O pagamento de despesas de representação foi sempre uma maneira de fugir ao fisco e hoje têm de constar no IRS. A pessoa que o contratou não o fez pelos lindos olhos, mas pelas portas que lhe abria”, atirou Catarina Martins, dizendo que Passos Coelho “trabalhou três anos à borla”. “A questão é de saber quanto é que recebeu se é de pagar um café ou era o maná dos céus?”, questionou.

O chefe de Governo rejeitou a ideia de ter recebido valores avultados. “Não recebi milhões de despesas, não haveria possibilidade de ela [empresa] despender milhões, trata-se de despesas que estiveram relacionadas com deslocações a Bruxelas, Cabo Verde, Porto. Trata-se de despesas de representação que não precisam de ser declaradas”, reiterou. E refutou a acusação lançada pela deputada bloquista: “Eu não fui contratado, não abri portas a ninguém”.

Antes e depois das explicações de Passos Coelho, o parceiro de coligação repete o mesmo. Paulo Portas e o líder parlamentar do CDS dizem confiar na palavra do primeiro-ministro. Só.

Foi o PSD que saiu em defesa activa de Passos Coelho. O líder da bancada parlamentar do PSD acusou António José Seguro de “ultrapassar os limites da decência” ao pedir para “vasculhar as contas bancárias” de Passos Coelho.  “Podia lembrar que, ainda recentemente, nos processos internos do PS, foi invocado o sigilo bancário para fazer pagamentos de quotas”, apontou Luís Montenegro, acusando Seguro de passar a intervenção “a tentar encher um balão furado”.

No entanto, o líder da bancada social-democrata parece insatisfeito com o processo parlamentar relativo ao ex-deputado Passos Coelho e manifestou a disponibilidade do PSD para “aflorar” na comissão de Ética o tratamento dado ao dossier. No final do debate, os sociais-democratas saíram com um semblante mais leve e querem acreditar que o caso morreu e que só pequenos detalhes poderão vir à tona. 

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