Eduardo fez 180 quilómetros numa cadeira de rodas para protestar

Eduardo Jorge quer que pare “o internamento compulsivo" de pessoas com deficiência em lares de idosos. Esta quinta-feira, chegou ao fim da sua viagem de protesto, que começou em Abrantes e terminou em frente ao Ministério da Solidariedade.

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Eduardo Jorge partiu de Concavada, no concelho de Abrantes, na terça-feira Miguel Madeira

Os pais de Fátima Figueiredo emigraram para o Luxemburgo quando ela tinha dois anos. E se ela tivesse ficado em Portugal? Será que a sua vida teria sido tão difícil como a de Eduardo Jorge, que está ali a pedir o que ela sempre teve no Luxemburgo: alguém escolhido por ela, pago pelo Estado, que lhe presta os cuidados que não consegue dar a si mesma. O seu amigo, o tetraplégico Eduardo Jorge, acabou de fazer 180 quilómetros em cadeira de rodas, de Abrantes até ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, em Lisboa. Depois de três dias na estrada, diz que já não tem forças para ser ele a ler a carta que vai deixar no ministério, onde escreveu que “está em causa acabar com o internamento compulsivo de milhares de portugueses, fechados contra a sua vontade em lares para idosos”.

No Luxemburgo, chama-se “auxiliar de vida”, explica Fátima Figueiredo, que tem 48 anos e foi até há cinco anos funcionária na Comissão Europeia. No seu caso, há uma auxiliar que chega à sua casa às 7h00 para a ajudar a fazer a higiene diária e a vestir-se e depois tem duas pessoas durante o dia para a ajudar no seu dia-a-dia. Como decidiu passar metade do seu ano em Portugal, “por causa do clima”, usa a mesma verba para contratar auxiliares cá, explica. Recebe um valor do Estado e é ela a escolher as pessoas, de um conjunto de técnicos que recebeu formação especializada, descreve. “Os 950 euros que o Estado português dá aos lares dava para pagar a estes auxiliares”, diz. “Isto já existe noutros países há muitos anos”.

Fátima foi uma das poucas dezenas de pessoas em cadeiras de rodas que conseguiram vir acompanhar a recta final do caminho feito por Eduardo Jorge, um assistente social que, em 1991, sofreu um acidente de viação que o deixou tetraplégico. O que o move é “o direito a uma vida independente”. Há um ano, fez uma greve de fome nas escadarias do Parlamento que terminou após as promessas, do secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, de que nova legislação com vista a uma “vida independente” iria começar no final de Janeiro, mas, como nada mudou, fez-se à estrada.

No mesmo dia em que Eduardo Jorge partiu de Concavada, no concelho de Abrantes, na terça-feira, o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social anunciou, em comunicado, os primeiros cursos para formar os chamados “assistentes pessoais para pessoas com deficiência”. Era esta uma das reivindicações tanto da Associação Portuguesa de Deficientes, como do Movimento (d)Eficientes Indignados (MDI), que apoia Eduardo Jorge, mas não na forma como o ministério agora a anunciou, nota.

Eduardo Jorge explica que o ministério propõe-se dar um tipo de formação a estas pessoas cujo conteúdo se desconhece, é o ministério quem as escolhe e encaminha para as pessoas com deficiência, quando o que defendem é “o pagamento directo às pessoas com deficiência da quantia necessária à contratação dos assistentes pessoais e a liberdade na escolha da pessoa”.

O que Eduardo Jorge agora deixou, na carta aberta endereçada ao secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, Agostinho Branco, é a exigência de “um projecto-piloto de vida independente, à escala nacional, que abranja pelo menos 100 pessoas com necessidade de assistência pessoal, a entrar em funcionamento no prazo máximo de seis meses” e, no espaço de um mês, a criação “de um grupo de trabalho que inclua o movimento e outros representantes da comunidade de pessoas com deficiência para concretizar o projecto”. “Vou fazer greve de fome até morrer”, disse à porta do ministério.

Eduardo Jorge fala “de interesses” que é preciso “enfrentar”, lembrando o que julga estar em causa: “Por pessoa internada, as instituições recebem 950 euros mensais pagos pelo Estado. Recebem ainda até 85% do rendimento da pessoa internada”. Quando, feitas as contas, diz a sua carta aberta, “todos os estudos demonstram que a vida independente sai mais barata ao Estado”. Aos que, como ele, resistem independentes a viver nas suas casas, o Estado dá uma verba de 178 euros para pagarem a terceiros, mas, caso arranjem emprego, ficam sem essa verba, explica Eduardo Jorge, a quem isso aconteceu quando arranjou trabalho na junta de freguesia da localidade onde mora, Concavada. Agora ganha cerca de 400 euros. “Somos contribuintes. O Governo pode usar o nosso dinheiro para nos encarcerar, mas não pode usá-lo para nos dar independência e uma vida digna?”.

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