Último debate socialista com muito currículo mas sem "olhar para o futuro"

O último dos três debates que colocaram frente-a-frente os dois candidatos às primárias do PS voltou a resvalar para mais um ajuste de contas.

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Daniel Rocha
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O último debate para as primárias socialistas corria de forma inteligível até ao momento em que o moderador apontou as semelhanças entre as propostas de António José Seguro e António Costa. E ainda o autarca não tinha acabado de cometer o erro de afirmar que “nós [socialistas] não temos que nos distinguir” e já o secretário-geral socialista sorria antecipando o seu contra-ataque: “Só prova que não era necessária esta crise”, atirou prontamente ao adversário.

A partir daí, o confronto não mais saiu do labirinto de acusações pessoais, comparação de currículos e golpes rasteiros. “Podemos falar do futuro?”, perguntava o jornalista, repetidamente e sem sucesso, depois de minutos de atropelos entre os candidatos, sem que nada do que estava a ser dito fosse perceptível.

A primeira imagem do debate já antecipava essa inevitabilidade. Dois socialistas, ambos de gravata vermelha, a disputar o mesmo posto. Ambos assumiram – não pela mesma ordem - o emprego e o relançamento da economia como a “prioridade” no caso de chegarem a primeiro-ministro. Os dois garantiram a reposição das pensões e dos salários da função pública, mesmo com cautelas e sem “ilusões”. E foi aí que o moderador foi incapaz de fugir ao óbvio de assinalar que os dois candidatos do mesmo partido não estavam muito distantes.

Com o passar dos minutos, o nível do debate foi caindo no abismo até se estatelar com estrondo no lamaçal das ligações da política com os negócios. A quem Seguro deu um nome. Para justificar a colagem de Costa aos “interesses”, o secretário-geral do PS apontou o dedo a um dos fundadores socialistas, Nuno Godinho de Matos, que trabalhara no universo BES, fora advogado da Ferrostaal no negócio dos submarinos, apoiara um candidato do PSD a Oeiras e manifestara a sua preferência por António Costa nas primárias. Era o rosto da “promiscuidade total [da candidatura do autarca] com o sistema financeiro”.

Por esta altura, já Costa perdera a paciência. “O que é que tu já fizeste de concreto para combater a corrupção?”, atirou à cara de Seguro, para depois esfregar aí as medidas que implementara enquanto ministro da Justiça de António Guterres (alteração da moldura penal dos crimes de corrupção, levantamento do sigilo bancário e reforço dos poderes da PJ).  “Achas que Mário Soares e Jorge Sampaio me apoiam pelos negócios?”, rematava Costa.

Mas se o autarca usou seu o currículo como medalha, Seguro puxou desse mesmo currículo para tentar ferir o adversário. Quando Costa criticava a proposta da redução de deputados,  por prejudicar os partidos mais pequenos e o interior, o actual líder recuou aos tempos em que este tutelara uma pasta no Governo de José Sócrates. “Quando eras ministro da Administração Interna, defendeste a extinção das freguesias e concelhos com menos de mil eleitores”, acusou Seguro empunhando no estúdio uma notícia de 2005.

Também Costa recorreu a uma bengala de papel para os seus ataques. A insistência de Seguro na acusação da provocação de uma “crise” desnecessária teve como resposta uma folha A4 com gráficos de sondagens. “Depois de três anos de austeridade, a resposta dos portugueses é Pedro Passos Coelho”, acenou o autarca. E assim se perderam mais alguns segundos com dois políticos aspirantes a primeiro-ministro debatendo qual a sondagem mais fidedigna. E outros minutos se perderam com os dois a discutir a forma correcta de extrapolar os resultados eleitorais de autárquicas ou europeias para futuras legislativas. “O PS caiu cinco pontos das autárquicas para as europeias”, acusava Costa. Os “cientistas políticos” criticavam quem pretendia “confundir europeias com legislativas”, ripostava Seguro.

Em vez de propostas, portanto, o que o debate colocou a nu foi a inimizade entre os dois socialistas. O debate foi rastejando para o final  num vulgar ajuste de contas entre os dois socialistas. Ambos lavaram a alma como se estivessem numa sessão privada de terapia de casal. “Tu só vens agora disputar a liderança agora que terminou o memorando”, disse Seguro para Costa. “Tu construíste uma narrativa em que só tu acreditas”, respondeu Costa. Pelo meio dos atropelos inaudíveis, o que se ouvia eram recrimninações. “Tu foste eleito para dirigir a câmara de Lisboa”, apontava o líder. “E tu foste eleito, já concorreste a alguma eleição?”, espezinhava o autarca.

E como numa discussão de um casal à beira do divórcio, o debate terminou com um revirar de olhos, quando Seguro se virou para Costa para lhe assegurar que não lhe fizera “nenhum ataque pessoal”. “Bom, isso diz tudo”, terminava Costa a olhar para o infinito de um debate que não teve um “olhar para o futuro”.

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