O regresso de Agatha Christie

Na minha adolescência li dezenas de livros de Agatha Christie. A minha avó dizia que eu “devorava” aqueles livrinhos da Colecção Vampiro, muitos deles com capa de Cândido Costa Pinto, um pintor surrealista muito conhecido à época.

Gostava daqueles policiais não muito violentos, com os suspeitos tranquilos a beber chá, no ambiente sofisticado da primeira metade do século XX. Noutros livros da autora, apreciava aqueles cenários das escavações arqueológicas, das belezas do Cairo e das viagens de comboio por terras distantes.

Agatha Christie foi uma escritora com um sucesso impressionante. Escreveu cerca de 80 policiais, traduzidos para 103 idiomas diferentes. Muitas das suas obras foram adaptadas ao cinema e ao teatro e a sua peça A Ratoeira bateu todos os recordes de permanência no palco. O seu primeiro livro, O Misterioso Caso de Styles (1920), no qual lançou o detective particular Hercule Poirot, foi-me oferecido pelo meu irmão quando ainda vivíamos em Sintra e eu teria 12 anos. Tenho pena de o ter perdido: recordo os meus apontamentos do nome das personagens, a atenção que dava às pistas lançadas nos interrogatórios de Poirot e como me divertia com as revelações inesperadas do detective belga, nos seus confrontos finais com uma plateia de suspeitos.

Poirot voltou este ano. Não pela mão da sua criadora, porque Agatha Christie morreu em 1976, mas através da escrita de Sophie Hannah, escritora inglesa com muitos policiais publicados. Hannah foi autorizada pela família da Agatha Christie a “ressuscitar” Hercule Poirot, com as suas “celulazinhas cinzentas”, a sua obsessão pela simetria e o gosto pelos interrogatórios de grandes grupos.

O resultado é Os Crimes do Monograma, publicados pela ASA neste mês de Setembro. A edição portuguesa destaca o nome de Christie e remete o de Hannah para o fim da capa, não esquecendo de, em cima, anunciar “O novo mistério de Poirot”. A publicidade inclui duas ofertas, um livro antigo de Christie publicado em Portugal e uma T-shirt a imitar o traje de Poirot (que dificilmente alguém usará). Num momento em que se vendem poucos livros e a gente nova prefere a Internet, compreende-se o grande esforço da editora portuguesa.

O livro de Hannah “lê-se bem”, como dizem agora as pessoas que lêem pouco. Procura recuperar as fórmulas que deram a Christie o seu grande êxito: um escândalo local no interior de um vicariato tranquilo; a descoberta da ligação entre as três pessoas assassinadas; a superioridade intelectual de Hercule Poirot sobre um polícia pouco inteligente da Scotland Yard; a inquietação do detective belga em descobrir a verdade, que só no fim é desvendada.

No entanto, fica-se com uma sensação de déjà vu: a narrativa parece uma síntese de vários livros de Poirot e não tem o inesperado de muitos policiais de Christie. É um trabalho feito com cuidado, mas a que falta a riqueza de uma obra verdadeiramente original.

Agatha Christie não era reconhecida pelo seu valor literário. Mesmo entre autores de policiais, escritores como Dashiel Hammett e Raymond Chandler, entre outros, possuíam maior densidade de escrita. Christie, no entanto, era mestre em criar um ambiente onde o crime poderia surgir a qualquer momento e o assassino tomava chá com tranquilidade. Falta essa atmosfera de surpresa neste regresso de Poirot.     

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