Partidos não temem ascensão de ex-bastonário na política

No Parlamento, prevê-se que o resultado nas europeias é um fenómeno “Tiririca” dificilmente replicável nas legislativas. Deputados acreditam que Marinho se consome a si mesmo.

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PSD, CDS, PS e BE têm a ideia que Marinho e Pinto é consequência dos erros dos partidos Miguel Manso

O fenómeno político Marinho e Pinto dificilmente sobreviverá até às eleições legislativas do ano que vem, acreditam os partidos com representação parlamentar, com a direita a reconhecer ao ex-bastonário da Ordem dos Advogados estatuto político e capacidade de dar murros na mesa, e a esquerda a unir-se em torno de um adjectivo: populista.

O PÚBLICO ouviu deputados dos partidos com representação parlamentar sobre as consequências da participação política de Marinho e Pinto para o próprio sistema e para a credibilização dos agentes políticos. O PCP optou por não participar.

A afirmação de Duarte Marques, deputado do PSD, de que “Marinho e Pinto é consequência dos erros dos partidos”, é uma ideia transversal aos deputados Ribeiro e Castro, do CDS, Pedro Delgado Alves, do PS, e Cecília Honório, do BE.

“É uma machadada na credibilização dos partidos, mas é como o fenómeno Manuel Alegre. Quando se tenta transformar uma votação num movimento político, isso morre por si”, defende o social-democrata, que, apesar de reconhecer qualidades ao actual eurodeputado, aponta-lhe incoerências. “É um produto mediático, é um combatente por determinadas causas e os combatentes fazem sempre falta. Às vezes, é preciso dar murros na mesa e ter pouca vergonha para dizer determinadas coisas. Mas é um fenómeno de incoerência: o mesmo que luta contra abusos e privilégios na política lamenta o baixo salário dos deputados. O mesmo que luta contra a corrupção é o maior defensor de José Sócrates”, afirma Duarte Marques.

Ribeiro e Castro, que tem defendido uma reforma do sistema político para responder também “aos sinais de sinais de grande desgaste e afastamento da cidadania”, começa por falar do “Tiririca, pior não fica” (do Brasil) para argumentar que é muito difícil enquadrar estes “fenómenos erráticos e de ocasião. As pessoas votaram para desabafar, não estavam a escolher nada”. A Marinho e Pinto reconhece, contudo, “uma intervenção cívica qualificada, concorde-se ou não com ele, tem estatuto”.

Para o democrata-cristão, não foi uma coincidência o facto de Marinho ter escolhido as eleições europeias para rampa de lançamento. “São as mais permeáveis ao voto de protesto”, afirma. Este balanço vai durar até 2015 ou causa algum tipo de temor nos partidos já constituídos? “Acharia essa previsão um grande atrevimento”, responde Ribeiro e Castro, que admite dificuldade em situar o advogado. “Tem um pensamento político que é dificilmente catalogável à esquerda, à direita, ao centro. É uma esquerda conservadora, mas liberal noutras áreas”, afirma.

PS e BE menos reticentes
Menos reticentes a essa definição são PS e BE. A deputada Cecília Honório recorre várias vezes ao adjectivo populista para criticar as afirmações de Marinho e Pinto sobre as baixas remunerações dos deputados. A temática permite sintetizar a opinião que tem do político: “É precisa uma distinta lata para fazer deste debate uma prioridade quando a maior parte dos portugueses têm sido prejudicados nos seus salários e pensões”. A bloquista prevê que o seu destino político fique refém das suas afirmações. “Cada vez que fala dá um tiro no pé, está sempre a falar dos seus problemas, está sempre disponível para falar de si próprio num discurso e numa atitude que desacreditam as instituições”, diz Cecília Honório. E como “caminha na trave do populismo”, acrescenta, fará agora “um partido à medida da sua imagem ao espelho, um partido alfaiate. É um fenómeno fugaz que se desacredita a si próprio pelo vazio de debate político”, conclui.

Esse fenómeno que se consome a si próprio é também referido pelo deputado Pedro Delgado Alves, que lembra que o populismo passa bem sem “consistência ideológica”. Surge como uma “purificação do sistema combinada com a desconfiança das máquinas partidárias e a acusação de não haver meritocracia nos partidos”. Tudo embrulhado numa “mensagem de descontentamento”, defende o socialista.

“Já era mediático, partiu com vantagem. Era uma figura particularmente polémica, sem papas na língua, que dizia ‘as verdades todas’ e que as dizia sem medo. Mas não vejo solidez no posicionamento ideológico”, diz o deputado, que acredita que é difícil que o sucesso que teve seja replicável. Mas lembra que talvez lhe baste “tocar nas feridas” para navegar em várias águas. Ou seja, ir buscar votos a todos os partidos. Como fez nas europeias.

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