Presidente indonésio está em Portugal para “encerrar um capítulo” de conflito

Foi o último corte de relações da diplomacia portuguesa, motivado pela anexação de Timor, em 1975. Durou 24 anos. Agora, em final de mandato, Susilo Bambang Yudhoyono vem a Lisboa mostrar a “transição suave” de Jacarta.

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Susilo Bambang Yudhoyono com Cavaco Silva em Jacarta em 2012, durante a visita do PR português à Indonésia MIGUEL MADEIRA

Portugal e a Indonésia estão a mudar a página. A metáfora é sempre literária: “Trata-se de uma visita que o nosso Presidente, Susilo Bambang Yudhoyono, está muito interessado em realizar antes do termo do seu mandato, tal como a sua visita a Timor-Leste, porque irá permitir um encerramento muito importante de um capítulo e o início de um novo capítulo de amizade entre os dois países”, garantiu o ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Marty Natalegawa, em declarações à Lusa.

Há pouco mais de dois anos, Cavaco Silva visitou Jacarta. Nessa ocasião, em Maio de 2012, salientou: "Esta visita, a primeira de um Presidente português à Indonésia, permitiu criar as condições para escrever uma nova página no relacionamento entre os dois países mutuamente benéfica."

Hoje, a menos de um mês de terminar o seu mandato, o Presidente Indonésio, SBY – como é popularmente conhecido no seu País –, inicia a segunda visita oficial de um chefe de Estado do quarto país mais populoso do Mundo a Portugal. A primeira aconteceu em Maio de 1960, quando Sukarno, o líder da “democracia guiada” visitou a ditadura envergonhada de Salazar.

Em finais de Agosto, neste afã de “fechar capítulos”, SBY esteve em Timor, onde enalteceu “uma construção de paz que nunca aconteceu em outra parte do mundo”. E ouviu do chefe da diplomacia de Dili, José Luís Guterres, mais um elogio: "Nós estamos a escrever novos capítulos da nossa história nas relações com a Indonésia e quem representou um papel importantíssimo para isso foi o Presidente Susilo Bambang Yudhoyono e o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, bem como o antigo Presidente Ramos-Horta e o antigo chefe do executivo Mari Alkatiri.”

Portugal e a Indonésia recuperam, assim, as boas relações históricas que foram interrompidas em 1975, quando as tropas de Jacarta invadiram Timor. O corte de relações diplomáticas durou 24 anos, terminando apenas em 1999, quando Ana Gomes foi enviada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para terminar o processo que levaria à independência de Dili, em 20 de Maio de 2002.

Com essa normalização, acentuada pela eleição de SBY, em 2004 – foi o primeiro presidente indonésio escolhido por sufrágio universal –, ainda foi preciso esperar uma década para que, com a visita de Cavaco Silva, “há muito devida”, como lembrou então Ana Gomes, os laços entre os dois países se voltassem a estreitar.  De tal forma que, garantem fontes diplomáticas portuguesas, Jacarta tem reafirmado o seu interesse em participar “enquanto observador associado” na CPLP.

"Seria um erro político e económico da parte de Portugal não prestar uma atenção muito particular à Indonésia", sublinhou Cavaco Silva, em Jacarta, há dois anos. De então para cá, algumas coisas mudaram. Segundo a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), só no primeiro semestre de 2014, as exportações portuguesas triplicaram para aquele país. A balança comercial continua a pender para o lado da Indonésia, que vende mais do que compra a Portugal. A AICEP vai organizar, em paralelo à visita oficial de SBY, um fórum empresarial que juntará empresários dos dois países.

No programa oficial estão previstos encontros com Cavaco Silva, Assunção Esteves e Pedro Passos Coelho. A comitiva oficial que o Presidente indonésio traz a Lisboa é, na opinião de uma fonte oficial, “francamente significativa. São sete os membros do Governo que acompanham o Chefe de Estado, entre os quais dois “ministros coordenadores”, equivalentes a ministros de estado, o chefe da diplomacia, o responsável pela educação e cultura e o ministro do Comércio.

Em cima da mesa está a assinatura, com o Governo português, de um memorando de entendimento sobre energia e recursos minerais. Também em foco estará a hipótese de cooperação na educação, energias renováveis e pescas.

Mas o mais importante, salienta uma fonte diplomática, é mesmo a vertente política. A Indonésia atravessa uma “transição suave”, com reflexos no “relacionamento externo” e na “evolução interna do regime”. A recente eleição de Joko Widodo, o primeiro Chefe de Estado sem qualquer ligação à ditadura ou às Forças Armadas da Indonésia, promete ser, para continuar a metáfora preferida dos diplomatas dos dois países, outro capítulo mais na normalização das relações entre os dois países que têm, até, centenas de palavras comuns nos dois idiomas.

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