Nacionalistas fizeram “uma campanha muito virada para o futuro”

Historiador explica que relação com Londres é muito mais importante do que a História nos argumentos a favor e contra a independência.

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"Há um sentimento de autoconfiança redescoberto nas últimas décadas pelos escoceses" Dylan Martinez/Reuters

Christopher Whatley é professor de História Escocesa da Universidade de Dundee e coordenador do projecto 5 Milhões de Perguntas, lançado para aprofundar as grandes questões ligadas ao debate da independência. Numa conversa com o PÚBLICO por email, explica que a campanha pelo “sim” foi mais bem-sucedida a apresentar a sua visão para o futuro da Escócia e como conseguiu desvalorizar os alertas sobre os riscos da independência.

Há certamente muitas razões pelas quais as pessoas apoiam a independência, umas mais relacionadas com a história, outras com questões políticas. Mas é verdade que aquilo que leva muitos escoceses a apoiar o “sim” é a recusa do status quo político britânico?
É certamente um factor importante na cabeça de muitos escoceses o facto de nas últimas décadas os governos em Westminster terem sido distantes ou mesmo terem governado contra os interesses da Escócia. Os exemplos são a [antiga-primeira-ministra Margaret] Thatcher – responsabilizada pela destruição da indústria (acusação injusta na medida em que ela já tinha entrado há muito em declínio); Tony Blair – que arrastou o país para o que é visto como uma guerra ilegal [a invasão do Iraque], o que chamou a atenção para o papel do Reino Unido no mundo, incluindo a posse de armas nucleares a que muitos escoceses se opõem.

Westminster é visto, em resumo, como pouco disposto a ouvir, distante e não representativo da opinião pública escocesa. Actualmente há um profundo ressentimento com as orçamentais políticas do Governo britânico, que estão a atingir o Estado social e a provocar uma austeridade desnecessária. A campanha pelo “sim” argumenta que a Escócia pode ser mais próspera e mais justa sendo independente. Este tornou-se, aliás, o seu mantra.

Esta recusa leva a que as pessoas se mostrem menos disponíveis para ouvir os avisos sobre os riscos económicos da independência que têm sido feitos não só por Londres, mas também por muitas empresas e peritos?
Sim, acho que tem razão. Os alertas sobre os custos e os riscos da independência foram mais ou menos ignorados pelos apoiantes do ‘sim'. Estão convencidos de que está em causa um princípio mais importante: o da autogovernação da Escócia. Há também uma visão de que estes avisos negativos estão provavelmente errados – são invenções dos políticos de Westminster, dos unionistas e dos media que são contra a causa nacionalista. [O primeiro-ministro escocês] Alex Salmond e a campanha do “sim” foram extremamente bem-sucedidos a convencer as pessoas de que a Escócia será um lugar muito melhor se for independente. É uma mensagem positiva que, para muita gente, é verdadeira”.

Se houvesse um Governo trabalhista em Londres, as sondagens sobre a independência seriam agora muito diferentes?
A minha convicção é que neste momento haveria um menor apoio à independência. Mas a campanha do “sim” tem insistido que com o Labour no Governo as políticas não seriam muito diferentes da coligação entre conservadores e liberais-democratas e que, de qualquer forma, é improvável que o Labour regresse ao Governo em 2015. E que o pior ainda está para vir. Um Governo conservador, influenciado pelo UKIP e as suas políticas antieuropeias.

Tem havido nesta campanha muito pouco debate histórico. Tanto a campanha do “sim” como a do “não” se afirmam como patrióticas. As pessoas já não estão preocupadas com o passado, ou ele é uma presença tão forte em pano de fundo que não há necessidade de o mencionar?
História. Sim, tem sido dada muito pouca atenção à história. Os nacionalistas são provavelmente muito influenciados pela História e pela crença de que a Escócia nunca se devia ter entrado no Reino Unido. Outros, do mesmo campo, provavelmente pensam que no Estado que resultou da união a Escócia foi, se não oprimida, pelo menos impedida de atingir o seu potencial – nas artes, na economia, em termos de autoconfiança e por aí em diante.

Mas a verdade é que a campanha do “sim” se afastou dos argumentos históricos porque esse é um terreno que não é seguro para eles – Pessoas como eu iriam argumentar que a união fez sentido em 1707 e, durante muito tempo depois disso, criou um ambiente positivo para os escoceses.  

Por isso, sim, os nacionalistas estão a adoptar uma campanha muito virada para o futuro – uma campanha pragmática mais parecida com o debate de umas eleições legislativas do que uma campanha para a criação de um novo Estado. Não se trata certamente da luta que aconteceu noutras partes da Europa, como [na independência] dos países Bálticos.  

A Escócia é hoje uma nação orgulhosa e dinâmica, com empresas fortes, universidades reputadas e uma sociedade jovem. O seu sucesso recente foi mais responsável pelo crescimento do nacionalismo do que uma razão que justifique a união com Londres?
Sim, há alguma verdade nisso. Há um sentimento de autoconfiança redescoberto nas últimas décadas pelos escoceses. Começou na década de 1970. E há muitas razões para isso: o petróleo do Mar do Norte; o abandono da indústria pesada em declínio; a promoção da História escocesa nas universidades e escolas; o surgimento de uma nova geração de escritores, artistas e músicos escoceses; o Parlamento autónomo de Edimburgo, que funciona e funciona bem. O que, como sugere, acabou por ser um forte incentivo ao independentismo.

Mas há também um outro lado – o tipo de políticas de Westminster que já mencionei e o “sentimento de que a Escócia tem sido ignorada, o que muitas vezes é verdade, e está sub-representada. Numa visão mais de longo prazo, as coisas que garantiram que a união se perpetuava – o Império britânico, a religião, a guerra – já não se aplicam. Penso que uma das razões pelas quais a campanha do “não” teve um desempenho pior é o facto de os seus líderes não terem sido capazes de apresentar uma visão para o Reino Unido do século XXI. Algumas pessoas fizeram-no, caso [do ex-primeiro-ministro] Gordon Brown, mas quase sempre à margem da campanha.

Nos séculos XVIII e XIX o Reino Unido detinha um poderoso Império, uma economia forte e era uma potência. O seu declínio na segunda metade do século XX pode ajudar a explicar por que estão os escoceses menos receosos com a hipótese de o abandonar?
Sim, claro. Trata-se de um factor importante, que está muito ligado à questão militar. Tradicionalmente os escoceses desempenharam um papel importante nas Forças Armadas britânicas (os oficiais foram um dos grupos determinantes na concretização da união, em 1707). Mas o Exército britânico tem sido reduzido e hoje tem apenas um regimento escocês. Deixou de funcionar como algo que justifica a manutenção da união.

A Escócia vai decidir o seu futuro com base em duas perspectivas económicas radicalmente diferentes – uma nação mais próspera e uma justa (segundo os apoiantes do“sim”), um país isolado e falido (para os defensores do “não”). Quem foi mais bem-sucedido a apresentar os seus argumentos?
O “sim” foi claramente mais bem-sucedido. Há muito entusiasmo na campanha deles. Por outro lado, é difícil ser entusiástico quando se está a defender o status quo (apesar de que o status quo não será mantido, aconteça o que acontecer no dia 18 as coisas vão ficar diferentes para a Escócia e para o Reino Unido). E apesar de as sondagens indicarem que a votação será renhida, o “não” não perdeu assim tanto terreno, o que sugere que os seus argumentos estão a ter eco.

Mas o que é realmente importante é o factor dos que continuam indecisos. Parece que se têm inclinado para o “sim”. E na próxima semana são eles que vão determinar o resultado do referendo.

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