Declaração de voto

O segredo, tanto para eleitos como eleitores, está em encontrar um equilíbrio entre o compromisso e a manutenção de alguma espinha dorsal.

Não sou simpatizante do PS e não quero inscrever-me oficialmente como tal. Felizmente, não estou cá no dia em que os simpatizantes votam, pelo que assunto fica resolvido. Sei no entanto que é um partido essencial ao exercício do poder e, nesse sentido, o que me é mais próximo. Já fui eleitor do PS e, provavelmente, arrisco-me a voltar a sê-lo, na intimidade da urna. Fui também compagnon de route, como fui do Bloco, do PC, da CDU, etc. Só não fui do Livre, mas não digo desta água não beberei. Além de compagnon de route, fui com frequência idiota útil. Não tenho nada contra ser idiota útil, são muitos anos a sofrer frangos e agora, aos 53, é tarde para mudar a minha natureza.

Se fosse inscrever-me para simpatizar, votaria – sem grande esperança, sem grande desespero, como Karen Blixen disse da escrita – António Costa. Em parte porque é fácil: não há como perder, para um rapaz de Lisboa, em escolher Costa: se ele perder, fico com pontos solidários junto do Presidente da Câmara; se ele ganhar, idem para o futuro governo do país. Em parte porque acredito mesmo que Costa é, na conjuntura actual, o mais capaz dirigente do PS. Pertencer a um partido implica estômago forte: ser capaz de trair gente leal, de abraçar poltrões, de fazer o que há a fazer para chegar ao alvo: o poder e o cargo de poder. Isto sucede com Costa como com Seguro, Passos, Obama, Putin, Ghandi, Merkel, até mesmo aquele cómico francês com nome de Países Baixos. Santos Antónios não chegam a primeiros-ministros nem a presidentes. O que desautoriza não é serem ou não manipuladores, traiçoeiros, impiedosos, ou coniventes com alguma corrupção. O que desautoriza é o grau de corrupção, impiedade, incompetência. Neste sentido, continuo a achar que Obama foi o melhor que aconteceu à América nos últimos anos, apesar do desastre no Médio Oriente; que Putin tem o mérito de não beber álcool e ser amigo do grande Depardieu; que Ghandi foi uma luz de bondade no século XX; que Merkel é uma genial estratega; que Seguro e Passos têm o razoável mérito da teimosia e da persistência. Este último foi, na minha óptica, um mau primeiro-ministro, mas aguentou-se num cargo onde gente melhor teria falhado: chapéu!

Não tenho ilusões: ganhe quem ganhar (espero que seja António Costa) não se vai reunir só de gente decente. Os suspeitos do costume estão dos dois lados, tal como gente boa q.b. e crente nas virtudes do rotativismo democrático está do lado de Seguro. Nem sei que facção Vitalino Canas (um velho ódio de estimação meu, só Deus sabe porquê, acho que por causa da cara) integra. Sei que um ex-vice presidente de uma grande construtora preside à comissão eleitoral. Mas a política não se faz só de pureza. Faz-se de compromissos. Causa-me pena a esquerda que se fragmenta até ao partido ideal que «realmente corresponda aos anseios e esperanças de cada um»: o partido unipessoal. Sei que, queiramos ou não, o PS vai vencer as próximas eleições. E, como intelectual e artista que sou, convém-me estar do lado do vencedor – se o conseguir com alguma tranquilidade na consciência (não confundir com consciência tranquila), melhor. Porque o segredo, tanto para eleitos como eleitores, está em encontrar um equilíbrio entre o compromisso e a manutenção de alguma espinha dorsal.

Escritor e docente universitário na FCSH-UNL

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