Dux disse à enfermeira que não engoliu água mas estaria “alheado de tudo”

Na segunda-feira, deverá dar entrada no Tribunal de Almada o pedido de abertura de instrução, solicitado pelo advogado das famílias.

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Advogado das famílias continua a defender tese de crime Enric Vives-Rubio

Naquela madrugada de Dezembro em que estava na praia, no Meco, com os colegas que morreram levados por uma onda, o dux, o único sobrevivente, foi transportado para o Hospital Garcia da Orta e visto por uma enfermeira que lhe perguntou se tinha bebido água. Respondeu que não. Por saber que se trataria de uma situação de pré-afogamento, a profissional insistiu, mas o jovem voltou a garantir que não. Nessa mesma noite, disse à polícia que tinha sido arrastado para o mar e ao médico contou que, quando estava na água, começou a ver tudo escuro, sentindo-se quase a desmaiar.

Para a profissional com 10 anos de serviço, porém, o sobrevivente estaria “alheado de tudo” e a frequência cardíaca acelerada, bem como o estado de “inconsciência” significavam “claramente” um “estado compatível com pré-afogamento”.

As informações constam do processo, com milhares de páginas. Há ainda cd’s, seis caixas e sacos, com objectos recolhidos na casa que os jovens arrendaram em Aiana de Cima: a colher de pau (símbolo da praxe), bebidas alcoólicas, copos de shot, sacos-cama.

Segundo essa enfermeira, o dux chegou numa maca coberto por uma manta térmica, em estado “de apatia e de choque”. Disse que vomitou quando saiu do mar, mas a profissional teve dificuldade em ver vestígios de vómitos, por causa da areia no rosto do jovem. Nessa altura, o estudante já não teria “sinais evidentes de hipotermia”, o que, segundo esta profissional, pode ser explicado pelo facto de, antes, ter permanecido duas horas no carro da Polícia Marítima (PM), com aquecimento, e ainda na ambulância do INEM, “onde lhe foi retirada a roupa académica”. Isso, frisou, “explica o restabelecimento da temperatura normal do corpo”.

Segundo um dos autos de notícia, quando chegou ao local, o agente da PM de Sesimbra viu “um indivíduo deitado no areal”, em “estado de choque e aparentemente em hipotermia”. Disse que estava num “convívio junto à água” com amigos, quando foram todos “surpreendidos por uma vaga que os arrastou para o mar”. Ele conseguiu chegar a terra. Por volta das 2h45 o médico do INEM decidiu que o jovem devia ir para o hospital, “por se encontrar em estado de hipotermia”.

Segundo contou o próprio dux, quando passou do carro da PM para a ambulância que o iria levar ao hospital, foi-lhe dito para se despir e deitar na maca. O aquecimento da ambulância foi ligado. Sentia “muito frio e algumas dores no pescoço, ombros e costas”. A roupa foi posta num saco de plástico, que levou depois para as urgências. Ao médico, contou que conseguiu “arrastar-se para fora de água” e que, “sempre sem se levantar, deslocou-se a rastejar” até ao telemóvel. O médico receitou-lhe paracetamol. “Como entretanto”, a “temperatura estabilizou”, deu-lhe alta cerca das 6h30.

Famílias não desistem
O advogado das famílias das vítimas, Vítor Parente Ribeiro, continua a colocar em causa que o dux tivesse estado em situação de pré-afogamento e contesta o facto de, no despacho de arquivamento, o procurador da República ter escrito que o médico do hospital, em reinquirição, admitiu ter atropelado “as boas práticas”, fazendo um “mea culpa clínico”. Vai requerer a nulidade do inquérito do Ministério Público, por o dux não ter sido constituído arguido, e solicitar a abertura de instrução, só possível, segundo a maioria da jurisprudência, com a existência de arguidos: “Vamos entregar a abertura de instrução no dia 15 de Setembro no Tribunal de Almada. Continuo a defender que houve crime naquela noite e que o dux não contou a verdade às autoridades”, diz.

Depois de entregar em Agosto na Procuradoria-Geral da República (PGR) uma exposição, que está a ser analisada, contestando algumas conclusões do procurador que arquivou o processo, o advogado entregou uma outra este mês pedindo para ter acesso, num prazo de 48 horas, aos cd’s que constam do processo, o que foi aceite. De acordo com o advogado, fizeram essa exposição, porque terão visto o acesso negado durante “mais de um mês”.

Num dos interrogatórios, o dux contou ainda que a 23 de Janeiro, e contra a indicação do psicólogo, marcou um encontro com a mãe de uma das vítimas e respondeu “a todas as questões que lhe foram colocadas”. Também diz que, na noite da tragédia, a ideia era entregar aos colegas ovos, “que significariam a real representatividade de cada curso” e que a colher de pau ficou em casa, junto à lareira. No domingo, quando regressou à casa, foi tomar banho. Admite que, nessa altura, poderá ter levado a colher para o quarto, “mas não tem uma ideia muito definida acerca desse acto”. “Ou melhor, tem plena consciência de ter arrumado a referida colher atrás da porta do wc, mas não consegue precisar o espaço temporal em que tal aconteceu”.

O pai de uma das vítimas contou que, só depois da morte da filha, é que “tomou conhecimento mais aprofundado do que significaria pertencer à comissão de praxes”, da qual estes jovens faziam parte. Para este pai, é “uma seita, movida por interesses menos claros”.

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