Primárias em aberto

O PS tem a enorme responsabilidade de credibilizar as suas eleições primárias.

Por estes dias, o Partido Socialista organiza dois tipos de eleições.

As primeiras, para as federações distritais, são a eleição típica e tradicional da máquina partidária, a que não falta uma grande dose de caricato: há mortos que se inscrevem para votar, dezenas de militantes que vivem nas mesmas moradas inexistentes, e beneméritos que pagam as quotas a milhares de eleitores em simultâneo. Depois de realizadas as eleições, começam as impugnações; desta vez até há um vencedor que está tão descontente que decidiu impugnar a própria vitória.

As segundas são as eleições primárias para candidato a primeiro-ministro. Não são as primeiras primárias, nem primárias inteiramente abertas, mas geraram grande interesse. O que é natural. Por uma vez, um candidato com hipóteses reais de se tornar primeiro-ministro resultará de um processo de escolha alargado a simpatizantes partidários: mais de cinquenta mil pessoas se inscreveram até agora para votar. É inevitável que os debates entre António José Seguro e António Costa atinjam uma grande audiência (o primeiro foi realizado ontem, após a escrita desta crónica) e seria bom que eles revelassem aos portugueses reais alternativas de governação que superem o mais-do-mesmo.

Curiosamente, uma grande parte dos comentadores decidiu encarar o novo tipo de eleições com cinismo, ao passo que deixam passar as eleições que sempre houve, com as suas chapeladas e tramóias, sem mais do que um encolher de ombros. Porquê? Há más e boas razões.

Comecemos pelas más.

Em primeiro lugar, o cinismo é hoje o principal modo de comentário, e aplica-se desde logo a tudo o que é novo. Os comentadores preferem aquilo que já conhecem, e optam sempre em caso de dúvida pelo pessimismo, que pensam trazer menos riscos reputacionais associados.

Em segundo lugar, o comentariado nacional é em grande medida oriundo dos partidos tradicionais. Estão habituados às chapeladas das distritais, que acham normais mas controláveis, e temem as primárias porque elas podem passar à margem dos processos que eles (e, em menor medida, elas) estão mais habituados a controlar.

As boas razões de desconfiança têm a ver com este processo:

Em primeiro lugar, ficou claro para toda a gente que as primárias no PS não apareceram como resultado de um processo pensado, maturado e deliberativo, mas como uma reação momentânea a uma luta interna — uma fuga para a frente. Essa génese não contribuiu para credibilizar o processo.

Em segundo lugar, há um temor justificado de que se estrague aqui uma boa ideia. Mesmo quem tem defendido a inovação das primárias — e eu fi-lo aqui já há muito tempo — receou e receia ainda que a falta de transparência, de equidade e de fiscalização (desde logo, das contas das campanhas) façam pender a balança destas primárias socialistas mais para os vícios do que para as virtudes. Esperemos que não ocorra.

Há, contudo, uma enorme diferença entre estar vigilante nas eleições primárias e estar cego às eleições tradicionais como as distritais. O PS tem a enorme responsabilidade de credibilizar as suas eleições primárias — e aqui estaremos para tirar conclusões. Os céticos, porém, têm outra responsabilidade: provar que o método tradicional é melhor, ou sugerir uma alternativa melhor.

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