Ordem dos Médicos pede esclarecimentos ao regulador da saúde sobre clínicas de hipermercados

Abertura de uma clínica ao lado de hiper da Auchan é duramente criticada pelos médicos. Negócio é uma “forma de vender gato por lebre”.

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A Clínica do Centro só será expandida a outras lojas se houver procura Enric Vives Rubio

A Ordem dos Médicos vai pedir esclarecimentos à Entidade Reguladora da Saúde e à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo sobre as condições de licenciamento da Clínica do Centro, que o grupo Auchan, em parceria com outra empresa, abriu recentemente ao lado de um hipermercado.

A empresa de origem francesa, dona do Jumbo, está desde Julho a testar o conceito na loja de Almada, onde um enfermeiro atende doentes sem marcação entre as 10 e as 24 horas, com um custo de 30 euros. O contacto com o médico é feito através de sistemas de telemedicina ou videoconferência, situação que para o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos “viola de forma objectiva os artigos 94º a 97º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos (CDOM), que regulam a utilização de telemedicina, e não cumpre o dever de protecção de dados e confidencialidade defendido pela Comissão Nacional de Protecção de Dados”.

Em comunicado e reagindo à notícia avançada pelo PÚBLICO, a ordem classifica o negócio como uma “forma de vender gato por lebre e transformar a medicina num mero comércio, que será potencialmente prejudicial aos doentes”. Os médicos entendem que as competências destes profissionais são “ultrapassadas de forma ostensiva” e recordam que a ausência de legislação específica sobre o Acto Médico “é uma inconstitucionalidade que urge reparar para melhor servir os doentes”.

A ordem critica ainda a “legitimidade técnica” do espaço, já que a actual lei é “altamente exigente”. “Estarão estas clínicas a respeitar idênticas regras de licenciamento? Ou, porventura, estão a ser aplicadas regras mais flexíveis, ‘amigas’ do investimento e das grandes empresas?”, questiona. Tendo em conta estas preocupações, a ordem vai pedir esclarecimentos aos reguladores “sobre as condições de licenciamento da referida clínica”.

Associar a prestação de cuidados médicos a uma actividade de comércio é, para a ordem, “uma flagrante violação deontológica e a definitiva imposição de um modelo mercantilista da Saúde”. A organização apela, assim, aos médicos para não “pactuarem com este tipo de exercício clínico de intuitos meramente lucrativos”.

Sobre o anúncio à consulta médica que é, presencialmente, feita por um enfermeiro, a ordem questiona se se trata de “existência de publicidade enganosa”. A confirmar-se admite avançar para os tribunais. O extenso comunicado de imprensa termina com um aviso: “A má prática médica, nomeadamente a violação grosseira do artigo 33º (condições de exercício da medicina) do CDOM entre outros, será alvo dos respectivos procedimentos disciplinares”.

A Clínica do Centro só será expandida a outras lojas se houver procura. Tal como o PÚBLICO noticiou, o negócio é explorado pela Saúde 3.0, uma empresa com sede nas Caldas da Rainha. O Auchan oferece o espaço físico.

Em declarações anteriores, fonte oficial da empresa afirmou que esta é uma “oferta bastante comum” no retalho nos Estados Unidos na Escandinávia e a parceira com a Saúde 3.0 “surge na sequência da oferta de saúde (espaços de Saúde e Bem Estar e Ópticas)” que o grupo já oferece. “O conceito assenta numa cultura de proximidade e de facilidade de acesso por parte da população local a profissionais de saúde qualificados”, explicou.

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