Estado Islâmico, a ameaça que a NATO não pode ignorar

Multiplicação de crises representa um teste crucial para a Aliança Atlântica. Obama espera colher no País de Gales apoio a uma operação contra os radicais.

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Obama promet"e enfraquecer e destruir" os jihadistas Reuters

A agenda formal da cimeira da NATO não o menciona, mas a expansão do Estado Islâmico (EI) é um dos temas que vão dominar as conversas na reunião que começa nesta quinta-feira no País de Gales. A organização, asseguram várias fontes, não quer envolver-se directamente nas operações no Iraque ou na Síria, mas os aliados jogam também a sua credibilidade na resposta que estiverem dispostos a dar aos jihadistas – que materializam a “ameaça não convencional” para a qual eles diziam estar a preparar-se quando, em 2010, aprovaram o actual conceito estratégico.

A inclusão da ofensiva jihadista no debate em Newport fazia já parte dos planos do Presidente norte-americano, e mais urgente se tornou depois de ter sido divulgado o vídeo da decapitação de Steven Sotloff, o segundo jornalista feito refém na Síria a ser morto por combatentes do EI. A execução redobrou a pressão para que Barack Obama defina a sua estratégia de combate aos fundamentalistas, algo que ele só considera possível mediante a formação de uma coligação que junte os parceiros europeus e os actores regionais.

Obama voltou a ser duro nas palavras com que reagiu à execução do jornalista. “Os que cometem o erro de ferir americanos vão aprender que esses actos não serão esquecidos, que será feita justiça”, disse, à margem da visita à Estónia, assegurando que os Estados Unidos “não se vão deixar intimidar” por mais este acto “horrendo”. Não explicou que opções tem em cima da mesa – a imprensa americana adianta que o Pentágono está a preparar planos de contingência para o caso de o Presidente decidir estender os ataques aéreos à Síria – mas definiu uma meta: “O nosso objectivo é claro e passa por enfraquecer e destruir [o EI] para que deixe de ser uma ameaça não apenas para o Iraque, mas também para a região e os EUA.”

Washington espera que os aliados, ou pelo menos uma parte deles, mostrem no País de Gales que estão dispostos a participar no esforço, seja seguindo o exemplo dos que, como a Alemanha ou a França, vão entregar armas às forças curdas (na linha da frente de combate aos fundamentalistas), seja participando no envio de ajuda humanitária. O Financial Times noticiou no fim-de-semana que Obama gostaria também de ver os europeus empenhados na tarefa de convencer os países árabes a fechar as vias que têm permitido ao EI financiar-se e comprar armas. À Turquia, aliado estratégico às portas do Médio Oriente, será pedido que reforce as suas fronteiras, pelas quais os jihadistas estrangeiros entram na Síria e o petróleo dos poços que conquistaram é exportado.

Quanto à operação militar é provável que apenas um grupo muito restrito entre os 28 membros da NATO esteja disponível para juntar as suas forças à aviação americana. O primeiro-ministro britânico foi o único, até agora, a deixar essa hipótese em aberto. O EI “tem de ser exterminado”, disse David Cameron, no final da reunião do gabinete de crise convocada logo depois de os jihadistas terem ameaçado matar um refém britânico.

O líder conservador insistiu que os ataques aéreos são apenas um dos instrumentos necessários para combater os radicais e o jornal The Guardian adianta que Downing Street espera que Obama clarifique a sua estratégia na cimeira da NATO para depois tomar uma decisão. Mas o mesmo jornal adianta que Cameron acredita ter os argumentos necessários para convencer o Parlamento a autorizar a participação na operação militar, ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando Westminster travou os planos para envolver a aviação britânica na ofensiva com que Obama pretendia punir o regime sírio pelo uso de armas químicas.

"Declínio ocidental"
E se para os críticos da NATO qualquer consenso que saia da cimeira sobre a situação no Iraque e na Síria será interpretado como uma nova extrapolação dos princípios para que foi criada – depois das missões na Líbia ou no golfo de Áden –, os seus defensores insistem que a crise no Médio Oriente, tal como a guerra no Leste da Ucrânia, dão nova relevância à aliança. A forma como responder a cada um dos testes será, por isso, crucial para o seu futuro.

“A cimeira da NATO acontece num momento em que a liderança internacional do Ocidente aparenta estar em declínio”, disse ao Guardian Robin Niblett, director do think-tank Chatham House. Uma visão que diz ser alimentada pelo pouco apetite que europeus e americanos demonstram em envolver-se numa nova missão militar, depois do Afeganistão e das divergências que rodearam a invasão do Iraque, em 2003, mas também pela crise económica que se arrasta desde 2008.

Ao contrário do que acontecia quando a NATO foi fundada, as ameaças à segurança europeia e americana não têm hoje uma única fonte. Mas os analistas afirmam que, apesar dos diferentes contextos em que surgem, há na actual multiplicação de crises um denominador comum – aquilo que Joschka Fischer descreve como o “fim da Pax Americana”, que vigorava desde o final da II Guerra Mundial. “Os EUA deixaram de querer ou de ser capazes de ser o polícia do mundo”, escreveu o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, acrescentando que, se às crises na Ucrânia, no Médio Oriente e na Líbia se juntar um novo foco de violência na Ásia, “o mundo seria confrontado com uma catástrofe global” que “ninguém seria capaz de controlar ou conter”.

Nos Estados Unidos, e não só entre os adversários de Obama, muitos acusam o Presidente de ser um líder fraco e indeciso, o que convida os seus adversários a testar os limites da ordem mundial nascida com a queda do Muro de Berlim. Gideon Rachman tem a opinião oposta, afirmando que “a maior ameaça à segurança global não é a falta de determinação de Washington, mas a impotência dos aliados da América”. O colunista do Financial Times lembra que os europeus têm vindo sistematicamente a cortar nos seus gastos de defesa – os EUA contribuem actualmente com 70% do orçamento da NATO, no auge da Guerra Fria não ia além de 50% –, ou que os países árabes, apesar de directamente ameaçados pelo EI, mantêm estacionados os mais de 600 aviões que compraram nos últimos anos.

Certo é que os aliados vão ser de novo chamados a assumir os compromissos que adoptaram na cimeira de Lisboa, em 2010, quando, num momento muito diferente do actual, aprovaram o seu novo conceito estratégico. Então, além do carácter “insubstituível” da NATO na defesa comum, afirmavam que a aliança deveria assegurar que continuava a ser “tão eficaz como sempre num mundo que está sempre a mudar” e no qual as ameaças poderiam surgir tanto de uma invasão de blindados como de Estados falhados. Para as enfrentar, os aliados comprometeram-se a investir em capacidades adequadas e cumprir a meta de gastar 2% do seu PIB em defesa – um objectivo em que Washington vai voltar a insistir em Newport.

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