Câmara de Moura reuniu-se à sombra de uma azinheira com os rendeiros da Herdade dos Machados

Ministério de Agricultura quer afastar 16 rendeiros a quem Sá Carneiro distribuiu terras. Se a decisão não for travada dentro de cinco anos não haverá rendeiros na exploração que tem 6400 hectares.

Foto
Azinheira na Herdade do Monte Barbeiro, perto de Mértola, com uma copa com 24,65 metros de diâmetro Associação Árvores de Portugal

Os membros do executivo da Câmara Municipal de Moura, no Alentejo, manifestaram ontem a sua solidariedade com os 16 rendeiros da Herdade dos Machados aos quais o Ministério da Agricultura comunicou recentemente que considera “resolvidos” os contratos de arrendamento rural com eles celebrados, alegando que eels tinham adquirido “voluntariamente a qualidade de reformados”.

O executivo liderado pela CDU, que contou com o apoio dos seus três vereadores socialistas, marcou uma reunião extraordinária para discutir a situação dos rendeiros, que acabou por se realizar bem no interior da Herdade dos Machados.

À sombra de uma azinheira, situada numa parcela de terra explorada por um dos rendeiros que foram intimados a abandonar a herdade até 31 de Outubro, foi improvisada uma sala de reuniões, relatou o deputado comunista João Ramos, que esteve presente no local, tal como representantes da Confederação Nacional de Agricultores e “mais de 90% dos rendeiros" a quem Sá Carneiro distribuiu as terras no dia 26 de Abril de 1980, 

No Cerro das Pedras, uma das parcelas que o secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural quer devolver aos antigos proprietários da Herdade dos Machados, a Casa Agrícola Santos Jorge, os funcionários da autarquia montaram tudo aquilo que o protocolo exige para a realização das reuniões do executivo camarário, incluindo as bandeiras nacional e do município.

“A reunião foi no mesmo sítio onde há 34 anos, eles (Sá Carneiro e a sua comitiva, que incluía o ministro da Agricultura de então, Vaz Portugal) mamaram os borregos que nós assámos, para a festa montada para comemorar a distribuição de 3000 hectares de terras em courelas”, contou ao PÚBLICO Francisco Farinho, porta-voz dos rendeiros. Os então beneficiários foram 94 trabalhadores que exerciam a sua actividade na Herdade dos Machados quando a propriedade foi nacionalizada, a 19 de Abril de 1975.

Nem o calor travou os depoimentos e os testemunhos emotivos dos rendeiros e suas famílias que debaixo da fondosa árvore expuseram as suas críticas, apreensões e receios de um futuro cada vez mais incerto, num ambiente a fazer lembrar os tempos da Reforma Agrária, como recordaram alguns dos presentes.

A reunião foi no Cerro das Pedras para lembrar que “nem os actuais dirigentes do PSD fazem questão de respeitar a promessa feita por Sá Carneiro”, disse Francisco Farinho, salientando que desde que as terras foram distribuídas aos rendeiros, “só Pinto Balsemão ali fez uma visita” para reafirmar a promessa do antigo primeiro-ministro.

Depois da reunião extraordinária, os autarcas e rendeiros concentraram-se às 18 horas em frente do edifício da Câmara de Moura onde foi aprovada a criação de uma comissão de rendeiros e um documento que vai ser entregue a todos os grupos parlamentares na Assembleia da República, onde são descritas as razões da luta dos agricultores.

O presidente da autarquia, Santiago Macias, garantiu que vai continuar  “solidário” com todos ao que receberam terras na Herdade dos Machados, lembrando que a posição do município está marcada por uma "forte carga simbólica" e realçando que a lei, em casos como este, não permite à autarquia ir além dos gesto solidários.

A iniciativa de marcar a reunião extraordinária na Herdade dos Machados foi do presidente da câmara, que rapidamente teve o apoio dos rendeiros e dos eleitos do Partido Socialista que votaram favoravelmente a moção de solidariedade. Santiago Macias disse ao PÚBLICO estar "acima de tudo" preocupado com o futuro dos 54 rendeiros.

Se o ministério da Agricultura consumar o seu propósito, dentro de cinco anos não haverá um único rendeiro na propriedade. Neste momento cerca de metade dos 54 rendeiros que ainda detêm a posse das suas courelas, tem mais de 66 anos. Francisco Farinho salienta que os 30 hectares de terras que lhes foram arrendados representam o “único meio de subsistência para quem aufere reformas que não ultrapassam os 300 euros”.

Sugerir correcção
Comentar