As trincheiras regressam à Europa

Mariupol é o próximo alvo das forças separatistas na Ucrânia. Em Minsk joga-se aquela que poderá ser a derradeira cartada negocial. Depois disso será o “ponto de não retorno”.

Soldado ucraniano cava uma trincheira às portas de Mariupol
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Soldado ucraniano cava uma trincheira às portas de Mariupol Alexander Khudoteply / AFP
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Moradores a ajudarem os soldados ucranianos Alexander Khudoteply / AFP
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Em Mariupol vive-se o típico ambiente da calma antes da tempestade. Com as forças pró-russas a cerca de 20 quilómetros da cidade portuária no sudeste da Ucrânia, os habitantes aguardam a ofensiva, divididos entre o apoio e a resistência.

À entrada da cidade cavam-se trincheiras para impedir o progresso dos tanques das forças separatistas – um esforço provavelmente inglório, visto que não parece que trincheiras sejam suficientes para os poderosos blindados, mas que vale pela força simbólica. Há um checkpoint na estrada que liga Mariupol a Novoazovsk, cidade próxima da fronteira russa e que foi tomada esta semana pelos rebeldes.

Os jornalistas da AFP em Mariupol escreviam que centenas de pessoas ajudavam a edificar as trincheiras enquanto entoavam o hino ucraniano. A presença de elementos do exército regular ucraniano é reduzida, admite Andrei Biletsky, comandante do “Batalhão Azov”. Sem exército, cabe a grupos milicianos, designados de “batalhões”, a defesa de Mariupol. Estes grupos paramilitares são compostos por civis que se voluntariaram para combater os pró-russos ao lado do exército ucraniano, mas nem por isso obedecem à cadeia de comando regular. O “Azov” é considerado um dos grupos nacionalistas mais radicais.

Não é preciso afastar-se muito de Mariupol para abandonar o terreno controlado por Kiev: a escassos 20 quilómetros estão estacionadas as forças pró-russas. “Não prevemos tomar de assalto a cidade amanhã ou depois de amanhã, mas iremos entrar [em Mariupol] num futuro próximo”, assegurou o líder da auto-proclamada República Popular de Donetsk, Alexandre Zakhartchenko.

Em Mariupol promete-se uma forte resistência, mas também se teme que a ofensiva dos pró-russos, auxiliada pelo Exército russo, segundo Kiev, seja demasiado forte. “Nós podemos travá-los, mas por quanto tempo?”, pergunta-se “Panther”, um combatente que se descreve como “nacionalista ucraniano”, citado pela AFP.

A tomada de Mariupol afigura-se crucial para o desenrolar do conflito no Leste da Ucrânia que se arrasta há já cinco meses. A cidade portuária de 500 mil habitantes fica a apenas 300 quilómetros da fronteira com a Crimeia e a sua conquista permite que se estabeleça uma ligação terrestre entre a península anexada em Março e o território russo.

Para além disso, a abertura de uma nova frente de combates, agora no litoral sudeste da Ucrânia, vem permitir um alívio da pressão que as forças pró-russas vinham a sofrer em Donetsk e Lugansk. No entanto, os confrontos continuam perto das duas cidades.

Este sábado, um grupo de soldados e milicianos ucranianos foi cercado pelas forças pró-russas perto de Ilovaysk, a poucos quilómetros de Donetsk. De acordo com o Ministério do Interior, os pró-ucranianos conseguiram escapar ao cerco, mas essa informação não pôde ser comprovada.

Desde Abril que o conflito provocou a morte de cerca de 2600 pessoas, segundo uma estimativa da ONU, que já fala numa “crise humanitária”. Os combates levaram igualmente milhares de civis a procurar refúgio na Rússia ou noutras cidades ucranianas.

O Kremlin, que é acusado por Kiev e pelo Ocidente de apoiar os insurgentes com armas, dinheiro e soldados, veio propor este sábado uma “ponte humanitária” entre a Rússia e as regiões de Donetsk e Lugansk. Na semana passada, a Rússia enviou 280 camiões de ajuda humanitária, apesar das acusações do governo ucraniano de que se tratava de uma operação de transporte de armas camuflada, o que não foi provado.

O que é proposto agora por Moscovo é “uma ponte humanitária regular unindo a Federação Russa, Lugansk e Donetsk”, de acordo com o vice-ministro da Defesa, Anatoli Antonov. A proposta foi prontamente rejeitada por Kiev, através do porta-voz do exército, Andrei Lisenko, que afirmou que “os combates continuam com uma intenção de matar”.

Depois de dias em que a retórica subiu de tom em torno da crise ucraniana, o Presidente Petro Poroshenko viu a necessidade de regressar à mesa das negociações e alertou para a proximidade de “um ponto de não retorno” no conflito. Na segunda-feira voltam a reunir-se em Minsk os representantes do chamado “grupo de contacto”, que congrega a Ucrânia, a Rússia e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

Em Bruxelas, Poroshenko anunciou a marcação do encontro dizendo esperar que “a discussão acabe num cessar-fogo”. “Há um plano de paz e espero que na próxima semana possamos publicar uma primeira versão desse plano”, afirmou. Na página da presidência, o chefe de Estado revelou que as negociações vão passar pela “libertação de reféns ilegalmente detidos na Rússia, o trabalho da missão de monitorização da OSCE na fronteira russo-ucraniana e o formato do cessar-fogo”.

Um ponto sensível na reunião é a presença de representantes das repúblicas independentistas do Leste da Ucrânia. Moscovo tem reiterado a necessidade de os grupos separatistas entrarem no processo negocial, mas o governo ucraniano recusa-se a encetar negociações, uma vez que isso pressupõe o reconhecimento da sua legitimidade.

Numa entrevista à agência russa RIA Novosti, o primeiro-ministro adjunto da República Popular de Donetsk, Andrei Purguine, garantiu que as repúblicas separatistas se irão fazer representar em Minsk. A última vez que os rebeldes e o governo ucraniano se sentaram à mesa foi também na capital bielorrussa, a 31 de Julho, para negociar o acesso das equipas internacionais ao local do desastre do voo MH17 da Malaysia Airlines. O desenrolar do encontro será determinante para que a União Europeia avance, ou não, para a aplicação de novas sanções à Rússia.

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