Auchan testa clínicas médicas ao lado dos hipermercados

Dono do Jumbo abriu a primeira unidade em Almada e está a avaliar procura. Associação da hospitalização privada critica negócio.

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O conceito, explorado pela empresa Saúde 3.0, terá de ter procura suficiente para que o Auchan o expanda aos restantes 21 hipermercados Jumbo Enric Vives-Rubio

O grupo Auchan, dono dos hipermercados Jumbo e dos supermercados Pão de Açúcar, está a testar o negócio das clínicas médicas em parceria com uma empresa externa e abriu, em Julho, a primeira unidade em Almada. Para já, não são conhecidos os planos de novas aberturas já que o conceito, diz a cadeia francesa, terá de ser primeiro avaliado. O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada vê "com muita apreensão" o projecto.

A “Clínica do Centro” está instalada mesmo ao lado do hipermercado Jumbo e é um pequeno espaço onde um enfermeiro atende doentes sem marcação entre as 10h e as 24h, a troco de 30 euros. À porta está um cartaz onde se lê o nome da clínica e o slogan “saúde aqui tão perto”. “Está a sentir-se doente? Venha a uma consulta médica na clínica do centro”, continua.

Os clientes são atendidos por um enfermeiro e o contacto com o médico é feito através de sistemas de telemedicina ou videoconferência. “O enfermeiro faz a colheita de sinais e sintomas, o médico faz o diagnóstico e a proposta de tratamento, e o doente beneficia de um serviço de saúde de qualidade, rápido e acessível”, detalha fonte oficial do Auchan. 

O modelo, que é explorado pela Saúde 3.0, uma empresa com sede nas Caldas da Rainha, terá de ter procura suficiente para que o grupo de origem francesa o expanda aos restantes 21 hipermercados Jumbo do país. Neste caso, a Saúde 3.0 presta o serviço e o Auchan oferece o espaço físico.

Fonte oficial da empresa diz que esta é uma “oferta bastante comum” no retalho nos Estados Unidos na Escandinávia e a parceira com a Saúde 3.0 “surge na sequência da oferta de saúde (espaços de Saúde e Bem Estar e Ópticas)” que o grupo já oferece. “O conceito assenta numa cultura de proximidade e de facilidade de acesso por parte da população local a profissionais de saúde qualificados”, continua.

Médicos nos supermercados
As cadeias da grande distribuição têm diversificado cada vez mais os serviços, dentro ou fora dos hipermercados. Da manicura às consultas de nutrição, os modelos são diversos e posicionam estes formatos de lojas, de grandes dimensões, como espaços onde há mais do que produtos nas prateleiras. José António Rousseau, presidente do Fórum do Consumo que há muito acompanha o sector, sublinha que esta extensão da oferta, para além do tradicional carrinho de compras, é uma tendência que veio para ficar.

“As lojas alimentares serão cada vez mais locais de experiências e de serviços e não propriamente de venda de produtos. Com o e-commerce podemos comprar produtos a todo o momento e em qualquer local”, recorda, acrescentando que a tendência é para o “one stop shop”.“Já que vou à clínica, acabo por fazer compras e vice-versa”, descreve.

Em 2012, a Sociedade Francisco Manuel dos Santos, dona do grupo Jerónimo Martins (que detém o Pingo Doce), investiu cerca de quatro milhões de euros numa rede de clínicas que oferecem além de clínica geral, saúde oral, nutrição ou podologia. As Walk’in Clinics estão abertas sete dias por semana das 10h às 22h, mas desde que o projecto foi conhecido só abriram cinco unidades (Telheiras, Sintra, Santa Maria da Feira, Aveiro e Praça de Alvalade). Além do serviço médico, as clínicas cruzam publicidade com o Pingo Doce: têm planos de saúde que incluem, por exemplo, o acesso a redes de médicos a nível nacional, e oferecem a primeira mensalidade com o cartão de descontos da cadeia de supermercados.

Também a Sonae lançou a Wells que se descreve como uma loja “especialista de saúde, bem-estar e óptica”. As 150 unidades estão localizadas maioritariamente junto aos hipermercados Continente e Continente Modelo.

José António Rousseau conta que a oferta de serviços médicos nos supermercados é uma tendência internacional e começou nos Estados Unidos, em gigantes como a Walmart e a Target. Sem centros de saúde ou urgências hospitalares acessíveis a qualquer cidadão, o conceito ganhou fama. “Foi um grande êxito e quase todas a cadeias criaram, mas na Europa não aconteceu o mesmo. Talvez por isso a Jerónimo Martins quando quis fazer a rede confrontou-se com alguma falta de procura porque as alternativas são, neste momento, mais baratas e acessíveis”, afirma o também professor da escola de marketing IPAM. Os consumidores portugueses ainda têm “dificuldade em entregar a sua saúde nas mãos dos supermercados” mas para José António Rousseau “é uma questão de tempo” até o conceito ser encarado com normalidade.

Críticas ao negócio
O presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada encara este tipo de projectos com "muita apreensão". Apesar de considerar "muito positivo o aproximar dos cuidados de saúde das populações", Artur Osório sublinha que devem ser prestados "por profissionais devidamente habilitados". 

"Os enfermeiros têm um papel cada vez mais importante na prestação de cuidados de saúde, mas têm de ser os médicos a colher os dados, a falar com os doentes", referiu, acrescentando que essa relação não se constrói à distância. "A medicina em teleconferência tem regulamentos muito próprios", disse. 

A associação vê, por isso, "com muita preocupação a duplicação da oferta de pseudo cuidados de saúde" de uma forma "meramente comercial", temendo que "possa induzir a população em erro". 

Já o bastonário da Ordem dos Enfermeiros não quis tomar, por agora, uma posição definitiva sobre o tema. "Necessito de informação mais detalhada para que possa tomar uma posição", respondeu ao PÚBLICO. Ainda assim, Germano Couto explicou que houve "uma situação semelhante, com outro grupo de distribuição, em que a ordem teve de intervir porque um enfermeiro desempenhava outras funções não adstritas ao seu trabalho funcional". Com Raquel Almeida Correia

Notícia actualizada: Acrescentou-se a posição do bastonário da Ordem dos Enfermeiros.

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