Uma cimeira com a Ucrânia a arder

Líderes europeus confrontados com a maior crise de segurança desde a Guerra Fria não conseguem escolher alguém relevante para substituir Lady Ashton. O chefe do Governo polaco é o preferido para substituir Rompuy.

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Renzi, o primeiro-ministro de Itália que detém a presidência rotativa da UE, quer ver Federica Mogherini como Alta representante da política externa da Europa Filippo Monteforte/AFP
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Petro Poroshenko, Presidente da Ucrânia, e Herman Van Rompuy, Presidente do Conselho Europeu, antes de um encontro que precede a cimeira em Bruxelas THIERRY CHARLIER/AFP

Esta é uma péssima altura para os líderes europeus fazerem uma má escolha do novo chefe da Diplomacia europeia que vai substituir Lady Ashton. E, no entanto, é isso que provavelmente vai acontecer, a não ser que novos e ainda mais perigosos desenvolvimentos na Ucrânia “invadam” o Conselho Europeu que este sábado se reúne em Bruxelas ao fim do dia, de maneira a terem de adiar outro qualquer assunto.

Na sexta-feira, a NATO reuniu-se em Bruxelas para avaliar a nova escalada de Vladimir Putin, considerando-a uma violação da soberania da Ucrânia. “É claro, disse o secretário-geral da NATO Andres Fogh Rasmunssen, que a Rússia atravessou ilegalmente a fronteira ucraniana”. Não podia ser mais claro. Vladimir Putin já respondeu à sua maneira, introduzindo no conflito aquilo que Barack Obama tinha dito que esperava que nunca acontecesse: o seu arsenal nuclear. A partir de agora, é estreito o caminho que os EUA e a União Europeia (UE) têm de escolher para não dar qualquer sinal de fraqueza perante Putin, sem fechar totalmente as portas a uma negociação política. O que os líderes europeus não podem é negar uma crise de segurança que é provavelmente a mais séria desde o fim da Guerra Fria.

É difícil de entender que, neste contexto, Matteo Renzi, o primeiro-ministro da Itália que detém a presidência rotativa da UE, tenha praticamente conseguido impor o nome da sua desconhecida ministra dos Negócios Estrangeiros, Federica  Mogherini, para Alta representante da política externa e de segurança europeia. A teimosia de Renzi é difícil de perceber, a não ser por uma razão simples: mostrar que a Itália está de regresso ao centro de decisão europeu, neste como noutros domínios. O problema é que Mogherini, para além de ser jovem e mulher (dois atributos hoje muito valorizados em Bruxelas), não tem experiência relevante nas questões internacionais que justifique na sua nomeação. Ficou mal vista quando, logo depois de tomar posse, resolveu ir visitar Vladimir Putin. A Itália fazia parte do grupo de países que mais resistiam a um endurecimento das sanções contra a Rússia. Os países de Leste protestaram imediatamente contra a sua escolha. A própria já fez o seu mea culpa junto dos seus homólogos europeus, reconhecendo que foi ingénua.

A escolha de Catherine Ashton em 2009 foi uma grande decepção. Também ela tinha uma escassa experiência diplomática. A escolha de Federica Mogherini só não será um choque ainda maior, dadas as circunstâncias, porque as expectativas já são hoje muito baixas sobre a importância que os grandes países (e alguns pequenos) dão a este cargo, que seria fundamental para afirmar uma identidade europeia no mundo, sobretudo quando o mundo lhes resolveu oferecer crises de uma dimensão poucas vezes vista. Havia outras escolhas possíveis para dar maior relevância política ao cargo de “chefe da Diplomacia” europeia. Os nomes de Radeck Sikorski, ministro dos Estrangeiros polaco, ou de Carl Bildt, o seu homólogo sueco, já tinham sido falados em 2009 e voltaram a sê-lo agora. São demasiado fortes para sequer estarem na short list dos líderes.

De qualquer modo, haverá desta vez à volta da mesa do Conselho Europeu um número muito inferior de amigos de Putin. Foi este, talvez, o único favor que o Presidente russo fez à Europa, que se convenceu até ser demasiado tarde de que a Rússia se contentaria com um bom negócio.

Tusk é favorito
Quanto ao outro cargo fundamental que os líderes deverão escolher, o Presidente do Conselho Europeu para os próximos dois anos e meio renováveis, a disputa parece estar hoje entre o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, e a sua homóloga dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, com Jyrki Katanen, a tentar manter-se na corrida. O vencedor será, com toda a probabilidade, o primeiro-ministro polaco, que ontem ainda não formalizara a sua candidatura, apesar da insistência de Angela Merkel. Enquanto chefe do Governo em baixa de popularidade, não avançará a não ser com um grau de certeza muito grande de que será escolhido.

Tusk é membro do Partido Popular europeu, o que lhe dá uma vantagem sobre a dinamarquesa, se a diplomacia for entregue a uma socialista. Tal como a Polónia, a Dinamarca não integra o euro, o que poderia ser uma dificuldade, na medida em que hoje os líderes da zona euro também se reúnem à parte. A maior oposição vinha de Paris, mas François Hollande já disse que não se importava. David Cameron, que inicialmente apostava na primeira-ministra dinamarquesa, fez agora grandes declarações de apoio a Tusk, talvez na esperança de fazer esquecer a sua “guerra” perdida contra Jean-Claude Juncker. Para Londres, não pertencer à zona euro tem a vantagem suplementar de manter a ponte entre os dois níveis de integração – a união monetária e o mercado único. Há ainda um outro factor que pesa nas escolhas dos líderes europeus mais do que à primeira vista possa parecer: o domínio do inglês e do francês. Helle é poliglota. Tusk fala mal as duas línguas. Quando Barroso foi escolhido para presidir à Comissão, o então Presidente Jaques Chirac compensou a sua desconfiança no anfitrião da cimeira das Lages dizendo que, “pelo menos, ele fala muito bem francês”.

Todos estes jogos de influência se travam hoje num contexto de profunda crise internacional. Apesar do endurecimento das posições europeias em relação à Rússia, incluindo sanções cada vez mais duras, Vladimir Putin não deu até agora qualquer sinal de estar disponível para uma solução política. Pelo contrário. Há mil tropas russas no Leste da Ucrânia, segundo a própria NATO, que comprovam, mais uma vez, que os seus gestos e palavras não significam absolutamente nada. Depois de ter apertado a mão ao seu rival ucraniano em Minsk, resolveu escalar o conflito a um ponto que deixa a Europa e os Estados Unidos numa posição cada vez mais difícil. Ontem, quando chegava à reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros em Milão, o chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeire, admitiu que a situação estava fora de controlo.

Na discussão europeia, que já vai além das sanções, estão a ser considerados dois cenários possíveis: um compromisso que possa ir até á garantia da “neutralidade” da Ucrânia, fora da NATO e da União; ou apoio militar a Kiev. Obama já excluiu uma intervenção militar, coisa que os europeus também não consideram. Ontem, o Governo ucraniano anunciou que vai descongelar o seu pedido de adesão à NATO e o secretário-geral da organização afirmou que a política da Aliança continua a ser de “porta aberta”. A questão que sobra é o comportamento do Presidente russo que já ninguém consegue antecipar. Neste quadro, ao qual é preciso acrescentar a outra crise que ameaça, a sul, a segurança europeia com o avanço do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, será um péssimo sinal a escolha de alguém sem o mínimo perfil para coordenar a política externa europeia. Mas é o que provavelmente vai acontecer.

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