Correcção do défice à espera dos cortes salariais para travar desvio na despesa

Aumento dos gastos com salários na Função Pública, subsídios e juros agravam défice em quase 390 milhões até Julho. A receita do IRS abranda, mas a do IVA acelera.

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O Governo discute esta semana um novo orçamento rectificativo Daniel Rocha

Ainda com cinco meses de execução orçamental pela frente, a trajectória do défice das administrações públicas até ao fim do ano está agora dependente da capacidade de crescimento da receita fiscal – que abrandou em Julho mas continua acima do previsto – e da evolução da despesa na recta final do ano, depois de repostos os cortes salariais da era de José Sócrates.

Os dados da execução de Janeiro a Julho, publicados nesta segunda-feira pela Direcção-Geral do Orçamento (DGO), mostram uma deterioração do défice das administrações públicas (administração central, Segurança Social e administração regional e local) em relação aos sete primeiros meses do ano passado, com o saldo orçamental a atingir 5823,4 milhões de euros negativos, mais 389 milhões de euros do que no período homólogo.

O agravamento do défice medido em contabilidade pública (com uma metodologia diferente da estimativa das contas nacionais comunicada a Bruxelas) deve-se a um duplo efeito: tanto a receita fiscal abrandou em Julho, como a despesa pública voltou a aumentar.

O aumento nos gastos do Estado com pessoal já se fez sentir na execução orçamental de Junho e tem duas razões que a justificam. Uma tem a ver com a comparação dos dados (porque este ano o subsídio de férias dos trabalhadores do Estado já foi pago e em 2013 só em Novembro é que foi processado o 14.º mês); a outra é uma razão temporária que decorre da reposição dos salários na função pública, depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter chumbado em Maio as reduções salariais progressivos de 2,5% a 12% a partir dos 675 euros brutos mensais.

Segundo os números da DGO, a despesa com pessoal aumentou 9,3%, ascendendo a 7627,3 milhões de euros, quando em igual período do ano passado o montante estava nos 6980,6 milhões. A diferença de 646,7 milhões de euros teve um impacto imediato na despesa consolidada da administração central, que cresceu 5,8%, para 35.507,8 milhões de euros.

Se para este aumento contribui o gasto assumido pelo Estado com a reposição imediata dos salários decretada pelo Tribunal Constitucional, há outros factores que também influenciam esta variação. Segundo a DGO, o aumento deve-se ainda ao “desfasamento no pagamento do 14.º mês aos beneficiários do sistema de pensões gerido pela Caixa Geral de Aposentações (CGA)”, ao “consistente aumento do número de pensionistas, com impacto nas transferências” e à “despesa com juros e outros encargos da dívida directa do Estado”.

No caso do aumento da despesa com pessoal, este é um efeito temporário, que se vai atenuar parcialmente nos próximos meses, assim que entrem em vigor as reposições dos cortes salariais de 3,5% a 10% acima dos 1500 euros, que são votadas no Parlamento na próxima semana.

Quanto à receita fiscal, que tem estado a ser suportada pelo crescimento da captação de impostos em sede de IRS, o ritmo de crescimento abrandou. Se até Junho a receita dos impostos estava a aumentar 4,3%, no mês seguinte o aumento não foi além de 3,8%. Ainda assim, o Estado já arrecadou por via dos impostos 19.898,6 milhões de euros, mais 735,1 milhões do que nos sete primeiros meses de 2013. Deste montante conseguido a mais, 357,3 milhões devem-se ao IRS, que se mantém aos níveis de 2013, o ano em que os portugueses sentiram no bolso o “enorme aumento” de impostos protagonizado pelo ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar.

A cobrança do IRS também abrandou. Ao passar de um crescimento de 8,4% para 6,1%, o montante arrecadado foi de 6.186,8 milhões de euros. Já a receita do IRC (2730,8 milhões) acentuou a queda (para 9,2%). E, conjugada com a desaceleração do IRS, voltou a penalizar a trajectória dos impostos directos, que cresceram até Julho 2,8% quando, apenas um mês antes, estavam a crescer mais de 5%. Apesar disso, a evolução é mais positiva do que a prevista pelo Governo, que aponta para uma queda no conjunto do ano.

Já entre os impostos indirectos, que mais claramente reflectem o andamento da actividade económica, o crescimento da receita acelerou para 4,8%. É ao IVA que o Estado vai buscar a maior fatia e, com este imposto, foram arrecadados 7680,3 milhões de euros, mais 400 milhões do que no período de Janeiro a Julho (um crescimento homólogo de 5,5%).

PSD culpa juízes
O PSD desvalorizou o agravamento da despesa ao relacioná-lo com as decisões do TC, enquanto nos partidos da oposição a leitura dos dados da execução orçamental leva-os a manifestar “preocupação” e a apontar um “fracasso” da política do Governo. O CDS optou por não comentar os números.

Para o deputado social-democrata Duarte Pacheco, os dados não trazem “surpresa”. “Sabia-se que as despesas iam subir”, afirmou, salientando, por outro lado, a subida da receita fiscal como resultado do “combate à evasão fiscal” e um sinal de “recuperação económica”.

Este argumento é, no entanto, contestado pelos partidos à esquerda. Ricardo Oliveira, da comissão de Assuntos Económicos do PCP, referiu que há uma diminuição dos reembolsos do IVA, o que significa que “não há actividade económica em aceleração”. E salientou que os números mostram que “há um aumento dos encargos com os juros da dívida”.

Este é também um ponto sublinhado por José Gusmão, do BE. “O Governo não fala dos 350 milhões de encargos com os juros da dívida”, afirmou o bloquista, criticando a posição de congratulação assumida pelo Executivo relativamente à receita fiscal, quando foram – sublinhou – as decisões do TC que permitiram um incremento dinamizar o consumo.

Já António Gameiro, secretário-nacional do PS, expressou “preocupação”, afirmando que “o Governo devia ter a ousadia” de olhar para a despesa pública e “cortar nas gorduras e nos gastos extraordinários”.

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