Montepio Geral passa a ser supervisionado pelo Instituto de Seguros de Portugal

A Caixa Económica do grupo mutualista continuará sob a alçada do Banco de Portugal.

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Equipa de gestão liderada por Tomás Correia propôs aos obrigacionistas alterações às condições dos empréstimos Enric Vives-Rubio

A holding cabeça do Montepio Geral, o Montepio Geral-Associação Mutualista (criada em 1840), que não é fiscalizada por qualquer entidade, vai passar a ser supervisionada pelo Instituto de Seguros Portugal, enquanto o banco Caixa Económica continuará debaixo da alçada do Banco de Portugal (BdP).

A mudança enquadra-se na adaptação do sector bancário ao novo quadro de regulação europeu que já levou o BdP a ordenar uma inspecção forense à Caixa Económica para averiguar se as grandes operações de crédito e de renovação de financiamentos seguiram os processos de decisão internos regulamentados.

Actualmente, o Montepio Geral-Associação Mutualista (com 540 mil associados) que detém a Caixa Económica (banco comercial) e as restantes participações do grupo, depende apenas do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, e não responde perante nenhuma entidade de supervisão financeira, o que sempre gerou grande controvérsia entre os quadros mutualistas. Isto, porque a associação mutualista capta as poupanças dos seus associados (um fundo de 200 milhões de euros) que aplica, em grande parte, na Caixa Económica e, deste modo, vai alimentando a actividade do banco.

A entrada em campo do ISP implicará uma maior separação de águas entre a Associação Mutualista e a Caixa Económica e exigirá ainda uma redução substancial dos investimentos mutualistas nas entidades financeiras do grupo. O que coloca uma questão: Com que meios (para além de depósitos e de empréstimos) é que a Caixa Económica vai continuar a desenvolver a sua actividade creditícia? Por outro lado, a AM vende produtos financeiros aos seus balcões que terão agora de ter fichas técnicas. Partiu de uma iniciativa das autoridades “retirar” a tutela da Associação Mutualista ao Governo, e entregá-la ao ISP, mas que teve o apoio de Tomás Correia, o presidente do grupo Montepio Geral. 

O BdP prepara-se também para, em breve, avançar com auditorias ao modelo de governação do Montepio Geral, bem como de outras instituições bancárias, pois não basta apresentarem no papel um bom sistema - é preciso garantir que seja aplicado. Estatutariamente, todas as empresas do grupo MG são presididas pela mesma pessoa, neste caso Tomás Correia, em funções desde 2009, o que pode criar ruído no processo de decisão. Esta regra não é permitida no restante sistema financeiro. Depois de a Caixa Económica (capital social de 1500 milhões de euros) ter assumido um prejuízo histórico de 300 milhões de euros em 2013, passou no primeiro semestre a um lucro de 11,9 milhões em resultado das mais-valias obtidas com a venda de dívida pública.

Nos últimos dias, o sexto maior banco português tem estado no centro de polémica, com a saída de várias noticias dando conta de uma auditoria forense pedida pelo BdP a um “consultor independente”, neste caso, a Deloitte, e que já foi confirmada por Tomás Correia. Mas em círculos restritos da instituição, trata-se de uma guerra entre auditoras, dado que era a KPMG que avaliava as contas da Caixa Económica.  

Carlos Costa também informou que, para além da auditoria forense pedida ao BES, por “terem sido detectados indícios criminais”, o BdP tinha mais três acções em andamento, mas de dimensão inferior, mas não mencionou os visados. Desde 25 de Julho que o MG/Caixa Económica está a ser objecto de uma avaliação para apurar se os financiamentos (directos ou via subscrição de papel comercial) dados a certos grandes clientes, entre 2009 e 2012, bem como a renovação de créditos cumpriram os protocolos que exigem que as operações sejam submetidas a vários escalões de decisão. Em 2013, o Montepio tinha cerca de dois mil milhões de euros em empréstimos sem garantias. Para além de uma empresa de cruzeiros com uma dívida base de 70 milhões, reforçada em mais 70 milhões, e que poderá estar sob escrutínio, a relação comercial com a Ongoing, detida por Rafael Mora e Nuno Vasconcellos, dois gestores que desenvolveram investimentos articulados com o BES/GES, está a ser inspeccionada.

Em 2009, o PÚBLICO revelou que no final do ano anterior, a associação mutualista aplicara, via Caixa Económica, mais de 40 milhões de euros em papel comercial de veículos da Ongoing, com sede no Luxemburgo, e que tinha comprado acções da PT. Tomás Correia justificou então o investimento no Fundo Ongoing International  “com a necessidade de diversificar riscos.”

A exposição à Ongoing aumentou, nos anos seguintes, para 60 milhões, por renovação de créditos (e juros) que podem não ter passado pelo crivo dos vários escalões de decisão. Dos 60 milhões, 15 milhões de euros são financiamentos directos à Ongoing SGPS, e 44 milhões de euros à RS Holding, empresa de consultoria que domina a Ongoing.  A divida está na sua maioria garantida. Recorde-se que os dividendos da PT têm sido a grande fonte dos fundos da Ongoing com os quais paga os serviços da dívida (juros e amortização de capital).  

Na carteira de activos do Fundo Ongoing International, onde o Montepio investiu, encontram-se acções da PT avaliadas a 12 euros (2009), quando a cotação da época já era de 7,7 euros. Hoje, negoceiam-se na bolsa abaixo dos dois euros. A PT é actualmente uma das empresas mais expostas ao GES e terá de assumir uma perda de 897 milhões de euros por financiamento à Rioforte. 

Tal como a PT (de que o BES e a Ongoing eram os accionistas de referência), a Ongoing integra o designado sistema GES, cuja falência está a ter um efeito de contaminação. Já a relação comercial directa da Caixa Económica com empresas do GES é de 150 milhões de euros (75% já estão provisionados), o que levou Tomás Correia a constituir uma almofada de 165,5 milhões de euros para fazer face a incumprimentos. Existirá, por sua vez, mais risco GES nas seguradoras e fundos de investimento do grupo Montepio Geral e que pode fazer o valor chegar  a 200 milhões de euros. 

Fonte não oficial do supervisor, questionado sobre este tema, disse que cabia aos associados do MG avaliar se a gestão actuou de forma correcta ao emprestar 150 milhões de euros entre Dezembro de 2013 e Junho de 2014 a empresas do GES já com dificuldades em irem ao mercado levantar fundos.

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