O estigma que afecta quem trabalha na indústria do sexo

Investigadora foi à procura de vítimas de tráfico e encontrou pessoas com "conversas muito ensaiadas".

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O estigma é um obstáculo à colaboração com as autoridades PEDRO CUNHA

O estigma que afecta quem vende o corpo “silencia potenciais sinalizações e colaborações entre prostitutas e autoridades do Estado”, afirma a antropóloga Filipa Alvim, que já neste ano defendeu uma tese de doutoramento sobre tráfico de pessoas no ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa.

Filipa Alvim quis ir além das investigações que “oferecem descrições macrossociológicas e estatísticas, baseadas na análise dos dados coligidos pelos órgãos que se confrontam com o fenómeno”. Foi à procura da “dimensão humana” das vítimas nas zonas de prostituição de Lisboa.

Em 2009 e 2010, primeiro com a ajuda de organizações que trabalham no terreno, depois sozinha, procurou vítimas entre mulheres, homens e transgénero. Só teve um “encontro com a ideia de ‘tráfico’ contado na primeira pessoa, interpretado como ‘ajuda financeira inflacionada’”. Era uma transexual brasileira. Sentiu, todavia, que havia tráfico entre nigerianas e romenas do Intendente e da Praça da Figueira. “As conversas eram muito ensaiadas”, diz.

O estigma que afecta quem trabalha na indústria do sexo parecia-lhe um obstáculo evidente à sinalização e colaboração com as autoridades. Em várias organizações ouviu falar em casos que os técnicos entendiam ser tráfico e os polícias não. Nalguns sítios deparou-se mesmo com um certo “pudor em falar no assunto sem ser nos corredores”. “Achavam que havia risco de a pessoa não ser tratada como uma vítima de tráfico, mas como uma imigrante indocumentada.”

Na dissertação Só Muda a Moeda: Representações sobre Tráfico de Seres Humanos e Trabalho Sexual em Portugal, a antropóloga salienta, porém, que o tráfico é diminuto. O quotidiano é mais caracterizado por agressões de rua e violência doméstica ou tentativa de regulamentação dos imigrantes.
 

  

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