Legalizar a cannabis é o passo que se segue?

A decisão do Uruguai e do Colorado relançou o debate sobre a legalização para fins recreativos.

“As pessoas que compram cocaína em Portugal não enfrentam nenhuma consequência criminal, mas os seus euros continuam a servir para pagar salários de bandidos que cortam cabeças na América Latina.” Esta frase é tirada de um artigo da The Economist a propósito da intenção da Jamaica de, tal como fez Portugal, descriminalizar a posse de pequenas quantidades de cannabis. Foi em 2001 que Portugal rompeu com a abordagem proibicionista e decidiu descriminalizar a posse de drogas para consumo próprio, passando a considerar o toxicodependente como doente e não um criminoso. E, ao contrário do que alguns diziam, não nos transformámos numa Meca para os consumidores.

A nossa reforma mereceu elogios de vários países na Europa que agora voltam a debater o tema. Isto depois de o Uruguai se ter transformado no primeiro país a legalizar a produção e venda da cannabis, com o objectivo de retirar mercado ao narcotráfico. E mais recentemente vinte e cinco cidades do Colorado legalizaram a venda de cannabis para fins recreativos, transformando centenas de farmácias de marijuana para fins medicinais em lojas de marijuana recreativa.

O tema não é consensual e há regiões que deram passos no sentido da liberalização e que agora estão a arrepiar caminho. É o caso da Inglaterra, onde o haxixe passou a ser integrado no lote de substâncias mais nocivas, ou dos Países Baixos, que passaram a ter uma abordagem mais restritiva em reacção a certos tipos de cannabis com concentrações mais altas de THC (o principal componente activo da planta), tentando também colocar um travão ao turismo da droga.

A frase da The Economist tem implícita uma crítica a países como Portugal, que, considerando o consumo apenas como uma violação administrativa, continuam a não legalizar a venda de cannabis para fins recreativos. Sugere uma espécie de hipocrisia administrativa em que a procura é descriminalizada, mas a oferta não, ficando esta nas mãos de criminosos que estão dispostos a fazer sabe-se lá o quê e a vender a sabe-se lá quem e com que idade. E assim também se perde o controlo de que tipo de produtos se vende, numa altura em que a concentração de THC atinge percentagens assustadoras. E se calhar com o dinheiro que o Estado arrecadaria em impostos, como faz com o tabaco (onde se está a conseguir reduzir o consumo sem proibir a venda), conseguiria apostar em campanhas que mostrassem que a cannabis nem sempre é a droga tão leve e inofensiva que muitos dizem ser.

É um debate ao qual temos de estar atentos, mas sobre o qual não nos devemos precipitar ,até porque, como diz João Goulão, as experiências do Uruguai e do Colorado são “verdadeiros laboratórios vivos” cuja informação deve ser acompanhada para “perceber os efeitos na saúde pública”.
 

   





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