Ébola obriga Guiné-Conacri a declarar emergência de saúde pública

Número de casos e mortes continua a aumentar. Apesar da discussão do uso de tratamentos experimentais contra o vírus, director do Instituto Nacional das Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA defende que se apliquem boas práticas sanitárias e se apoiem os países afectados para travar o surto

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O vírus do ébola foi identificado pela primeira vez em 1976, na região do rio Ébola, no antigo Zaire Cynthia Goldsmith/CDC/AFP

A Guiné-Conacri resistiu à ideia, mas acabou por se juntar aos outros três países afectados pelo vírus do ébola e nesta sexta-feira declarou que o surto era uma emergência de saúde pública. Apesar do número de novos casos parecer estar a diminuir no país, a medida é uma tentativa de evitar novas infecções, principalmente importadas da Libéria e da Serra Leoa, que fazem fronteira com a Guiné-Conacri e estão também a braços com o pior surto de ébola desde que esta febre hemorrágica surgiu pela primeira vez em 1976.

“Camiões cheios de material sanitário e que transportam pessoal de saúde vão em direcção às fronteiras com a Libéria e a Serra Leoa”, disse nesta sexta-feira Aboubacar Sidiki Diakité, militar e presidente da comissão do ébola daquele país, citado pela agência Reuters. Há 3000 pessoas espalhadas por 17 locais da fronteira à espera de entrar na Guiné-Conacri. “Qualquer pessoa que esteja doente vai ser imediatamente isolada. As pessoas vão ser acompanhadas. Não podemos correr o risco de deixar as entrar sem serem examinadas”, explicou.

Esta preocupação com as fronteiras é legítima. Anthony Fauci, director do Instituto Nacional das Alergias e Doenças Infecciosas (um dos vários Institutos Nacionais de Saúde dos EUA), enumerou num artigo nesta sexta-feira na revista The New England Journal of Medicine as razões para este surto ter ganho esta proporção naquela região da África Ocidental. Além da pobreza, de sistemas de saúde fracos que têm de responder a muitas doenças endémicas, como a malária, e de práticas tradicionais que põem em risco as populações – como a limpeza dos cadáveres –, a movimentação entre aqueles países sempre existiu e não foi provocada pelo surto.

“As fronteiras são porosas, o movimento entre países é constante”, escreveu. Por isso, a doença espalhou-se inicialmente. Pensa-se que os hospedeiros naturais do vírus do ébola sejam os morcegos frutívoros que vivem na floresta tropical africana. Os surtos costumam surgir na África Central, mas desta vez a transmissão aconteceu no Sul da Guiné-Conacri, perto das fronteiras com a Libéria e a Serra Leoa. O caso mais antigo que se conseguiu identificar ocorreu no início de Dezembro de 2013. Já na Primavera deste ano, o surto chegou à Libéria e à Serra Leoa, e em Julho à Nigéria.

Os últimos números da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta de 1975 pessoas infectadas pelo ébola e 1069 mortes. Entre 10 e 11 de Agosto, a Libéria teve 71 novos casos, a Serra Leoa 53, a Guiné-Conacri quatro e a Nigéria nenhum. O vírus causa uma febre hemorrágica, os primeiros sintomas podem aparecer entre o segundo e o 21º dia depois de se ter ficado infectado. Há dores, febre e os sintomas podem evoluir depois para vómitos, diarreias e até hemorragias.

É nesta altura que há o maior perigo de se ficar contaminado, quando se está em contacto com estes fluídos cheios de vírus que, felizmente, não se transmitem pelo ar. Não há tratamentos com eficácia comprovada para a doença. A forma como o vírus escapa ao sistema imunitário humano ainda está a ser estudada. Esta semana, um artigo na revista Cell Host & Microbe revelou um avanço: uma equipa norte-americana descobriu os processos moleculares que permitem que a proteína VP24 do vírus trave o início da resposta imunitária do nosso corpo, deixando o ébola à solta.

A descoberta pode dar pistas para desenvolver novos tratamentos contra esta doença. Para já, o que os médicos fazem é manter os doentes hidratados, controlar a febre, a pressão arterial e tratar infecções secundárias. Este tipo de acompanhamento diminui a mortalidade do vírus, que no entanto pode chegar a 90% no caso da estirpe Zaire do ébola – uma das cinco estirpes deste vírus e que está a causar o surto actual.

Na Monróvia, capital da Libéria, um dos centros de saúde vai ser aumentado para dar conta do número crescente de casos. “Temos novos casos registrados todos os dias, particularmente na Monróvia. O que significa que devemos reforçar o nosso método de prevenção”, afirmou à rádio o vice-ministro da Saúde Tolbert Nyensuah, citado nesta sexta-feira pela agência AFP.

Na quarta-feira, chegaram à Libéria as doses do tratamento experimental ZMapp, para dois médicos com ébola, vindas dos Estados Unidos. Esse soro, produzido pela empresa norte-americana Mapp Biopharmaceutical, é composto por três anticorpos contra o vírus. Embora tenha dado resultados promissores em primatas, nunca foi clinicamente testado em humanos. Devido ao surto actual, dois norte-americanos e um espanhol já foram tratados pelo ZMapp, a que se vão juntar agora outros dois doentes. Os dois norte-americanos estão a melhorar, mas o espanhol, um padre de 75 anos, que já tinha múltiplas infecções quando recebeu o tratamento, acabou por morrer esta semana.

“Não é claro que o ZMapp tenha levado à recuperação [dos dois norte-americanos] e com apenas dois casos deve evitar-se tirar-se conclusões”, alertou Anthoni Fauci no artigo. “Isto não é uma panaceia para este problema. O risco [de tomar o ZMapp] é da responsabilidade do próprio doente”, disse por sua vez Tolbert Nyenswah, secretário de Estado da Saúde da Libéria, citado pela Reuters.

No início desta semana, um painel de especialistas sobre ética reuniu-se a pedido da OMS e considerou ser ético o uso de tratamentos e vacinas experimentais contra o ébola, desde que haja “transparência sobre todos os aspectos de cuidado [médico]”.

A Mapp Biopharmaceutical não tem, para já, mais stocks do ZMapp. Como é um tratamento experimental, a FDA  (a agência que controla os medicamentos nos EUA) explicou no seu site que a empresa ainda não tem capacidade de produzir o tratamento em grandes quantidades.

Entretanto, há um movimento por parte da comunidade científica para testar rapidamente as vacinas experimentais existentes contra a doença. O Canadá já doou à OMS 800 a 1000 doses da vacina experimental VSV-EBOV, desenvolvida por um laboratório nacional. Esta vacina ainda não foi testada em seres humanos, mas mostrou resultados “promissores” em animais, segundo a agência de saúde do país, citada pela AFP.

Duas outras vacinas experimentais esperam autorização da FDA para entrar rapidamente em ensaios clínicos, que já são em seres humanos. Charles Link, director da NewLink Genetics, dos Estados Unidos, disse na quarta-feira que esta empresa tinha capacidade de produzir dezenas de milhares de doses nos próximos meses, e que poderia iniciar os primeiros ensaios clínicos já nas próximas semanas. A farmacêutica inglesa GlaxoSmithKline, juntamente com o Instituto Nacional das Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, querem iniciar ensaios clínicos de outra vacina já em Setembro.

Mas Anthony Fauci considera improvável que “curas milagrosas” acabem com esta epidemia. “Para derrotar o ébola na África Ocidental, serão necessárias boas práticas sanitárias, o envolvimento das comunidades afectadas, uma assistência internacional considerável e a solidariedade global.”

Faz hoje uma semana que a OMS declarou este surto como uma “emergência de saúde pública de âmbito internacional”. Ban Ki-moon, secretário-geral das Nações Unidas, nomeou na última terça-feira o médico britânico David Nabarro como coordenador da ONU para o ébola, e deixou um apelo: “Devemos evitar o pânico e o medo, é possível parar o ébola.” 

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