Se Portugal recebesse um doente com ébola “a situação não seria tão tranquila”

O país já enviou fatos de protecção para Moçambique e medicamentos para a Guiné-Bissau, onde o director-geral da Saúde português irá ainda este mês.

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Simulação de um eventual doente de ébola no Aeródromo Municipal de Cascais realizada esta quinta-feira PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/AFP
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O exercício permitiu que os profissionais de saúde treinassem o uso dos fatos PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/AFP
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O biobag evita as contaminações PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/AFP
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Um eventual doente seguirá para um dos três hospitais de referência em Portugal PATRÍCIA DE MELO MOREIRA/AFP

Estará Portugal preparado para receber um doente infectado com ébola? Foi para responder a esta pergunta que se realizou nesta quinta-feira, no aeródromo municipal de Cascais, uma simulação que consistia em transportar uma doente portuguesa de 28 anos, oriunda da Serra Leoa, para o Hospital Curry Cabral, em Lisboa.

Correu tudo de forma tranquila. A doente saiu da aeronave medicalizada dentro de um biobag - uma maca protegida que funciona com um casulo, com pressão negativa, e que impede a saída de partículas e a contaminação. Foi acompanhada por cinco profissionais de saúde, com fatos especiais, viseiras e botas, e entrou na ambulância rumo a um quarto devidamente preparado, onde os jornalistas já não puderam entrar.

“Não diria que a situação fosse tão tranquila como esta, mas é uma situação para a qual estamos preparados”, garantiu o ministro da Saúde, Paulo Macedo. Os três hospitais de referência para o ébola são o Hospital de São João, no Porto, e o Curry Cabral e o D. Estefânia, em Lisboa. Todos “têm meios suficientes”, frisou o ministro.

O director do Serviço de Doenças Infecciosas do Curry Cabral, Fernando Maltez, explicou que o seu hospital tem 14 quartos preparados para estes doentes. São quartos, de acordo com a classificação internacional, de “isolamento de grau 4”. Têm uma antecâmara, que se chama adufa, onde os profissionais de saúde podem vestir o equipamento protector antes de passarem para o quarto propriamente dito, onde está o doente. Têm pressão atmosférica negativa, que é inferior à que existe no corredor, onde circulam os profissionais, de modo a evitar a contaminação. E têm “ar filtrado”, com “cinco a seis mudanças de ar por hora”. O D. Estefânia tem quatro quartos assim, mas nos dois hospitais é possível aumentar a resposta, garantiram os responsáveis.

Questionado sobre a necessidade de os emigrantes portugueses em países mais susceptíveis ao contágio regressarem a Portugal, Paulo Macedo garantiu que, neste momento, não há indicações nesse sentido. Frisou que o assunto foi abordado no Conselho de Ministros, mas, para já, o que se pretende é “disponibilizar instruções” e “informação” às embaixadas. Além disso, frisou, “existem nos aeroportos portugueses” cartazes e folhetos informativos.

O director-geral da Saúde, Francisco George, é da mesma opinião. Mas ressalva: “Se surgir um problema com um carácter mais intenso em determinada região (as regiões não têm todas o mesmo grau de risco), naturalmente que os portugueses devem, tanto quanto possível, abandoná-la. Mas tendo a confiança que, uma vez que regressem a Portugal, o Serviço Nacional de Saúde tem total aptidão e está equipado para assegurar não só o diagnóstico, como o isolamento e evitar a formação de cadeias de transmissão da infecção.”

O ministro, que considera baixa a probabilidade de a epidemia do ébola alastrar à Europa e a Portugal, assegurou que “os portugueses podem ter confiança naquilo que é o dispositivo que está montado, na parte de prevenção que está a ser feita, na ligação com Organização Mundial da Saúde”.

Risco baixo
Também o presidente do INEM, Paulo Amado de Campos, garantiu que o instituto está preparado, com equipas com “formação” e equipamentos adequados – os fatos para evitar o contágio do ébola são, por exemplo, “de maior segurança biológica do que os da gripe A”. Está ainda apto para ir buscar um doente “ao domicílio”, a um “aeroporto”, a outros países e para fazer o transporte entre unidades hospitalares.

Na simulação no aeródromo de Cascais estiveram três técnicos de emergência, um enfermeiro e um médico. Poderá não ser sempre uma equipa tão completa: “Será sempre uma equipa com dois técnicos. Se a gravidade do doente assim o exigir, irá certamente uma equipa de médico e enfermeiro. Será de acordo com a gravidade clínica do doente”, explicou o presidente do INEM, acrescentando que um repatriamento da Serra Leoa é diferente de um transporte do centro de Lisboa para o Curry Cabral.

Francisco George adiantou que já seguiram para Moçambique 20 fatos especiais, com viseiras e botas (cada equipamento completo pesa quatro quilos), e 10 toneladas de medicamentos para a Guiné-Bissau, onde o director-geral da Saúde se deslocará ainda este mês. Cabo Verde pediu apoio técnico, a nível de orientações e recomendações a seguir. São medidas de prevenção, uma vez que não há casos nestes três países.

A resposta a estes pedidos, feitos pelos próprios países, seguiu por "mala diplomática”, explicou Francisco George.

O Governo de São Tomé e Príncipe, onde também não há ainda casos, pediu igualmente peritagem e especialistas a Portugal e à Organização Mundial da Saúde. Além disso, decidiu “criar um cordão sanitário nas zonas portuárias e aeroportuária, bem como sessões de formação ao pessoal ligado a esses serviços", uma vez que se considerou o arquipélago "vulnerável”. Em comunicado, refere ainda que o Conselho de Ministros são-tomense, que se reuniu de "emergência", optou pela "identificação urgente de um espaço de isolamento para tratamento de possíveis casos de doentes suspeitos ou portadores da doença".

Francisco George diz que não está preocupado “com a importação da epidemia”, mas sim com a “possibilidade de cidadãos” portugueses e de outras nacionalidades, que tenham estado em regiões infectadas nos últimos 21 dias, “poderem entrar” no país. Nesse caso, terão “de ser identificados, diagnosticados, isolados e tratados de forma a evitar” cadeias de transmissão. E frisa que, em Portugal, o risco "é baixo no geral, mas existe".

A presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central [do qual o Curry Cabral faz parte], Teresa Sustelo, referiu que esta unidade de saúde dispõe, “em média” e em caso de necessidade, de “três fatos” especiais por dia: “Temos mais fatos, este é o número por dia, por profissional”, explicou. Também o presidente do INEM garantiu que não há qualquer problema de stock nem com tempos de entrega, quando é preciso comprar estes fatos especiais, e que, em caso de utilização, são incinerados.

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