Serviços prisionais confirmam ao Ministério Público falta de vagas para menores condenados

No mesmo dia em que o negou publicamente, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais avisou o MP do Tribunal de Família e Menores de Lisboa de que não há mais lugares. Jovens condenados esperam em casa.

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Em Agosto, os centros educativos ficaram sem vagas para jovens Paulo Ricca/Arquivo

Os serviços tutelares educativos espelham actualmente duas realidades contraditórias. Esta quarta-feira ao mesmo tempo que a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) negava em comunicados a falta de vagas para receber mais menores condenados nos centros educativos, alertava o coordenador do Ministério Público (MP) no Tribunal de Família e Menores de Lisboa de que o sistema está sobrelotado e não pode acolher mais jovens.

“Li a notícia do PÚBLICO e como não tinha sido informado oficialmente telefonei para a DGRSP. Confirmaram-me que é verdade. Não há de momento vagas”, disse ao PÚBLICO o procurador Celso Manata. Por esta altura, o magistrado não sabia ainda que a mesma DGRSP estava a desmentir publicamente a informação que lhe prestava. “Andamos a brincar com a justiça de menores? Isto não pode ser”, exortou irritado quando foi informado da situação pelo PÚBLICO, aquele que foi também director dos serviços prisionais entre 1994 e 2001. 

A falta de vagas, acrescentou, já ocorreu em 2010, quando cerca de uma dezena de menores condenados esperaram em média seis meses em casa por um lugar nos centros. O relatório do MP desse ano espelha-o. O Ministério da Justiça não comentou, mas o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Fernando Negrão, disse que aos deputados a ministra da Justiça "mostrou abertura para resolver a situação".

A DGRSP apressou-se na manhã desta quarta-feira a desmentir a sobrelotação dos centros educativos que o PÚBLICO noticiou após ter acesso a documentação que o comprova. E já então a coordenadora da Comissão Fiscalizadora dos Centros Educativos, a procuradora Maria do Carmo Peralta, confirmou o constrangimento. Cerca de 230 jovens estão internados num sistema que comporta apenas 198. Além disso, existem ainda 20 menores condenados recentemente que ainda não se apresentaram e para os quais os centros não teriam vaga. Este mês, está prevista a saída de 11 menores cujos internamentos chegam ao fim, apontou fonte do serviço tutelar educativo.

Em três faxes enviados a alguns tribunais de família e menores aquela direcção-geral deu conta do problema na semana passada. “Não é possível, neste momento, disponibilizar vaga para o jovem em centro educativo devido à situação actual de sobrelotação da rede de centros educativos. Esta direcção-geral confronta-se na actualidade com problemas de sobrelotação”, referem os faxes enviados a juízes do Porto, Sintra e Lisboa.

De novo questionada pelo PÚBLICO, através do Ministério da Justiça, a DGRSP insistiu em desmentir o que confirmou ao MP no Tribunal de Família e Menores de Lisboa. “A DGRSP reitera a informação que hoje [quarta-feira] foi dada ao PÚBLICO. Há vagas no sistema e nenhum jovem ficará em casa a aguardar internamento”. Os documentos confirmam o contrário. Pelo menos duas jovens, para as quais os respectivos tribunais têm de voltar a solicitar internamento, estão em casa. Aos juízes, a direcção-geral disse que no futuro, o seu internamento ficará “condicionado à existência de vaga”.

Para o procurador Celso Manata, a “situação, que é grave, só não é pior porque de momento se verificam as férias judiciais”. Em Setembro, não ocorrerão julgamentos, mas o novo mapa judiciário já estará em curso. “Quando os julgamentos começarem em Outubro aí sim será o pior já que haverá decisões para internar jovens que não terão vaga”, lamentou defendendo uma “solução urgente”.

Também Judite Babo, procuradora no Tribunal de Família e Menores de Gaia, defende medidas “urgentes” para um “problema que se está a agravar”. A magistrada não verificou na sua comarca recusas de internamento de jovens este mês, mas também não houve por esta altura nenhuma decisão nesse sentido. “O que foi noticiado vai de encontro às dificuldades que sentimos”, disse ao PÚBLICO a magistrada que faz parte da direcção do Sindicato dos Magistrados do MP.

O PS apontou esta quarta-feira que a situação é "inaceitável" e os procuradores consideram que é a própria justiça de menores que está a ruir. O presidente daquela estrutura, Rui Cardoso, defendeu também a rápida resolução do problema. “A decisão do juiz não vale de nada se depois não for aplicada. Está em causa a justiça de menores e o que se passa é realmente preocupante”.

Há anos que o sistema se debate com a sobrelotação com uma ginástica diária para conseguir aceitar os menores que vão sendo enviados pelos tribunais, mas isso já não é suficiente. A situação foi recentemente agravada com o encerramento temporário do Centro Educativo de Vila de Conde que, só por si, representava 48 vagas.  

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