Constitucional responde esta quinta-feira às dúvidas orçamentais do Governo

Decisão do Tribunal Constitucional sobre cortes nos salários e nas pensões pode ter impacto decisivo nas contas deste ano e principalmente no OE para 2015.

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Tribunal Constitucional decide sobre cortes de salários e pensões Foto: Enric Vives-Rubio

Três acórdãos, sete medidas relativas às contas do Estado para este ano. Hoje haverá nova decisão dos 13 juízes do Tribunal Constitucional e na mira estão mais duas medidas.

Uma nova contribuição sobre as pensões, desta vez de carácter definitivo (Contribuição de Sustentabilidade) a aplicar a partir de 2015. Permite um encaixe financeiro de 360 milhões de euros anuais. A outra medida na mão dos juízes é a reposição dos cortes salariais dos funcionários públicos em vigor em 2013 (reduções entre 3,5% e 10% para salários acima de 1500 euros brutos), progressivamente repostos num prazo máximo de quatro anos. O objectivo do executivo é aplicá-los já em Setembro. Vale para os cofres públicos cerca de 34 milhões de euros mensais.

Com a decisão em relação a estas duas medidas, o Governo irá ficar com quase todas as dúvidas tiradas em relação ao impacto orçamental das decisões do Tribunal Constitucional. E poderá tomar decisõessobre a eventual necessidade de novas medidas, algo que decidiu adiar em Maio, quando o Tribunal Constitucional chumbou três medidas, incluindo o corte salarial aos funcionários públicos. O Executivo disse então que era preciso saber com o que pode contar do lado do TC, especialmente no que diz respeito aos cortes de salários e pensões. Esta quinta-feira ficará a saber.

Para o presente ano, o que será agora decisivo é a decisão do TC em relação aos salários dos funcionários públicos. Se a reposição, já a partir de Setembro, de um corte equivalente ao que esteve em vigor passar no tribunal, o Governo conseguirá compensar em cerca de 150 milhões de euros as perdas registadas com o chumbo de Maio. Também tranquilizado pela aprovação recente da nova versão da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), poderá ficar numa posição mais confortável, em que a almofada de segurança prevista no Orçamento inicial e o efeito positivo de uma receita fiscal acima do previsto serão suficientes para atingir os objectivos.

Estas contas para 2014 dependerão, contudo, de outros factores, como o impacto do financiamento do Tesouro a empresas públicas de transportes, o efeito concreto das alterações metodológicas feitas pelas autoridades estatísticas europeias no cálculo do défice e mesmo a decisão do TC em relação ao aumento da contribuição para a ADSE, a única medida que ficará por julgar. E os números para o défice terão ainda de ser avaliados à luz da evolução da economia e do efeito que esta poderá ter no ritmo da execução orçamental nos últimos meses do ano.

Fora das contas estará, em princípio, um eventual impacto negativo no défice de 3900 milhões de euros por causa da solução encontrada para o BES. As autoridades estatísticas ainda não decidiram como contabilizar a operação, mas o Governo já esclareceu que acordaram com a Comissão Europeia que uma derrapagem do défice por causa desta operação não será levado em conta nas avaliações às contas públicas portuguesas.

Se o tribunal chumbar este novo corte salarial, impossibilitando a adopção de outra medida semelhante até ao final do ano, a margem de manobra orçamental reduz-se em cerca de 150 milhões de euros, podendo forçar o Governo a medidas de correcção de efeito rápido.

A quarta decisão sobre o OE
O Orçamento do Estado para 2014 tem dado algumas dores de cabeça ao Executivo. Logo em Dezembro passado, a convergência das pensões dos sectores público e privado depois de um pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República valeu um chumbo unânime do Tribunal, com um impacto nos cofres públicos de 388 milhões de euros.

A factura maior do ano viria, no entanto, em Maio. Do leque de cinco medidas, só sobreviveu a suspensão dos complementos de reforma nas empresas públicas deficitárias, orçamentada em cerca de 25 milhões de euros. Os cortes salariais na função pública, as taxas de 6% e 5% sobre, respectivamente, subsídios de desemprego e de doença, e o corte nas pensões de sobrevivência obrigariam o Governo a estudar alternativas para um impacto orçamental de mais de 1200 milhões de euros.

O último acórdão este ano foi conhecido há escassas duas semanas e permitiu ao Governo respirar de alívio. Luz verde para a CES e para que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE seja transferida para os cofres do Estado.

De qualquer forma, em termos de dimensão, os problemas de uma decisão negativa do TC estarão principalmente centrados no ano de 2015. Um chumbo, tanto dos cortes salariais como dos novos cortes de pensões, levariam o Governo, se quisesse manter os objectivos com que se comprometeu para o défice, a ter de encontrar novas medidas para o próximo ano.

O Executivo pretende manter a aplicação de cortes salariais, embora 20% mais moderados do que aqueles que está a propor para os últimos meses deste ano. E quer também contar com a aplicação da nova contribuição de sustentabilidade, que substitui de forma parcial mas permanente a CES, para além da subida ligeira do IVA e da contribuição para a Segurança Social.

Com essas duas medidas pode arrecadar, em 2015, um valor próximo de 700 milhões de euros. Em caso de chumbo constitucional, total ou parcial, o rombo no orçamento forçaria à inclusão de medidas substitutivas já em Outubro, na proposta de orçamento do Estado para o próximo ano.

Na análise que está a ser realizada pelo TC, cortes nos salários e pensões geram preocupações diferentes nos juízes. O corte salarial, mais moderado do que aquele que foi chumbado em Maio e idêntico ao que foi autorizado em 2013 continua a ser apresentado como temporário pelo Governo, que inclui aliá já um calendário para o seu desaparecimento progressivo aos longo dos próximos cinco anos. As probabilidades de passar no teste constitucional são, por isso, consideradas mais elevadas.

Já o corte nas pensões gera mais dúvidas. É verdade que a contribuição de sustentabilidade é mais leve que a CES, que voltou a ser autorizada este ano pelo tribunal. Mas é apresentada pelo Governo como uma solução de carácter permanente. Quando decidiram em favor da CES, os juízes destacaram o facto de ser uma medida transitória cuja justificação estava na conjuntura de crise orçamental que o país atravessa. Uma medida de carácter permanente, mesmo mais suave, pode encontrar obstáculos no Constitucional.

“Pressionados estamos todos”
As medidas cuja decisão será hoje conhecida valeram uma carta do primeiro-ministro a Cavaco Silva solicitando a fiscalização prévia do Constitucional e um comunicado sui generis dos próprios juízes. O Presidente da República justificou o pedido com o recurso aos princípios da igualdade e da protecção da confiança.

Já os juízes mostraram desagrado por se sentirem “forçados” a decidir antes de esgotado o prazo de 25 dias. As duas semanas entre o pedido e a decisão levantam "extremas dificuldades”, relatam os conselheiros, que quiseram “preservar a possibilidade de uma decisão em composição plena”. É que a partir de amanhã e até 14 de Setembro só se encontram no palácio Ratton sete dos 13 juízes. 

Sexta-feira é também o dia em que o primeiro-ministro sobe ao palco da Festa do Pontal, no calçadão de Quarteira, no Algarve. Se, no ano passado, Passos Coelho carregou na pressão sobre o Constitucional, ao admitir que qualquer decisão tomada pelos juízes não afectaria apenas o Governo, mas também o país, desta vez  já terá o acórdão na mão. Mas o tom e as palavras escolhidas pelo chefe de Governo poderão depender do teor da decisão.

Esta semana, Miguel Macedo, ministro da Administração Interna, retirou carga emocional à decisão que disse aguardar “sem drama” e com “tranquilidade”, embora reconhecendo a sua “importância”. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD e muito próximo do primeiro-ministro, encarregou-se de deixar o ambiente político tenso, ao acenar com “a ingovernabilidade” do país, passando o ónus, mais uma vez, para os juízes.

“O importante é que o Tribunal Constitucional não empurre o país para uma situação de ingovernabilidade” ou “no limiar em que estamos, qualquer aumento de impostos terá repercussões”, afirmou ao Expresso. Pressão? “Pressionados estamos todos nós”, respondeu Montenegro. Marco António Costa, coordenador da comissão política, veio pôr um travão na pressão, inscrevendo a “estabilidade” no ADN do PSD.

Para o principal partido da oposição todas estas movimentações são inaceitáveis. Embora o PS esteja “naturalmente preparado para governar”, confirmou António José Seguro no fim-de-semana. Ontem, o secretário-nacional do PS António Galamba voltou a apontar o dedo ao Governo: “Tudo o que sejam manobras de pressão, de tentar condicionar o Tribunal Constitucional são inaceitáveis. Da parte do PS são condenáveis, sobretudo vindas de quem, após oito chumbos, parece que ainda não aprendeu nada da perspectiva que o Tribunal Constitucional tem da defesa da Constituição”.

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