O poder do Ministério Público é uma ameaça à democracia

“O poder do Ministério Público tem sido uma ameaça à democracia. Uma espécie de espada de Dâmocles por cima de todos nós.” A acusação é de Pedro Adão e Silva, jornalista e sociólogo, numa entrevista a um diário. É paradoxal. O órgão constitucional de defesa da legalidade democrática é ele próprio uma ameaça à democracia!

Li e ouvi muito sobre o MP. Tanto não. Já me pronunciei publicamente sobre a detenção do “último banqueiro”. Reprovo as detenções abusivas. Sem recato. Exibicionistas. Pedro Adão e Silva considerou tal detenção ilegal. Até covarde. E explica. Se são verídicos os factos que invoca, tem razão. Mesmo um só caso é preocupante.

O Ministério Público não se circunscreve ao Palácio de Palmela e sectores mais visíveis. Onde, a meu juízo, há uma política centralista. Carreirista. De fachada. Por vezes, desrespeitadora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Aí, acordo com Pedro Adão e Silva. A liderança é medíocre. Sem postura de Estado.

A metodologia da generalização é uma espécie de vírus que atravessa o país. Prescindimos daquele árduo labor de pensar, analisar e sintetizar. Por uma detenção, julgamos o MP. Por uma sentença, a Justiça! O simplismo com que se louva é o mesmo com que se condena.

O Ministério Público, com seu poder, fragilizaria e ameaçaria a democracia. Fragilizará. Mais pela inércia, omissão e ignorância do que por abusos de poder.

Os magistrados do MP, distribuídos às centenas pelo país, não se ocupam de montes brancos ou negros, detenções de banqueiros. O seu labor é bem mais comezinho. Diariamente, tratam de protecções a menores, corrupções de funcionários subalternos, crimes rodoviários, ameaças, coacções, desobediências, pequenas falsificações, um raro homicídio, processos tributários recebidos do fisco a bater na prescrição. Processos às centenas. Às vezes, aos milhares. Fins-de-semana de turno. Atendem pessoas às dezenas. Julgamentos.

A polícia traz um preso. O procurador fica tão atrapalhado quanto aquele. Não abusa. Receia. Balança e hesita entre a prisão e a liberdade. Inibe-se de mandar prender. Não de libertar. Não têm mãos a medir. Querem é menos processos. Que lhes não cortem mais os salários.

Essas “pequenas/grandes coisas” são o quotidiano dos magistrados. No geral, procuram decidir com decência. Seriedade. É o “Ministério Público profundo”. Os operários do MP. Não está nos jornais, nem na TV. Não lhes resta tempo para ameaças à democracia.

Não ouso falar de “ameaça à democracia”. É excesso. Antes atropelos e abusos aqui e ali. Desrespeitos ao sistema democrático.  

A hipérbole de Pedro Adão e Silva deveria ser ponderada. Meditada e digerida pelos órgãos superiores do MP. Com modéstia democrática, deveriam questionar-se sobre a sua liderança. Como têm exercido os poderes conferidos pela Constituição da República. A defesa da legalidade democrática. O exercício da acção penal. Com que lisura e transparência actuam na sua própria casa. Na nomeação, exoneração e transferência dos seus magistrados. Sobre o que têm feito, ou não, para que muita gente de boa-fé pense como o sociólogo e jornalista.

Optarão pelo desprezo e arrogância do silêncio. Ou comunicados de repulsa.

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