Com Fidelio, l'odyssée d'Alice Ariane Labed brinca ao Titanic

A estreia da francesa Lucie Borleteau com Fidelio, l'odyssée d'Alice, que passou no Festival de Locarno, é um filme sobre uma mulher a impor-se num mundo de homens

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"Estás a brincar ao Titanic?" pergunta Melvil Poupaud a Ariane Labed enquanto ela se filma na proa do porta-contentores. "Achas-te a Kate Winslet?" "Sou mais di Caprio", responde ela.

É uma piada, mas é significativa, porque Fidelio, l'odyssée d'Alice (Concurso Internacional), primeira longa da francesa Lucie Borleteau após três curtas e médias, é um filme sobre uma mulher num mundo de homens. No caso, uma engenheira da marinha mercante francesa que é a única mulher a bordo, embarcada de escantilhão no Fidelio para substituir um colega morto de um ataque de coração. Não é bem Alice no país das maravilhas, é mais um road movie no mar ("Alice nos barcos", para citar o filme de Wenders), à volta de uma mulher que descobre as suas forças e as suas fraquezas, entre integrar-se num universo masculino onde o desejo é coisa banal ou assumir a diferença de ser mulher e querer que esse desejo signifique alguma coisa. 

 

Posto desta maneira, Fidelio parece um filme feminista, mas é uma definição demasiado redutora para uma história que questiona com inteligência as diferenças entre amor e desejo entre os sexos de um modo que evoca o Godard de Masculino Feminino (exibido em Locarno em 35mm no âmbito do prémio carreira a Jean-Pierre Léaud): "na palavra masculinmasque (máscara) e cul (rabo, no sentido de sexo). Em féminin não há nada". Como quem diz que nos habituámos a pensar nos universos de homens como habitados pelo desejo descartável, e nos universos femninos como buscando algo mais do que isso. 

 

Lucie Borleteau fá-lo com uma naturalidade desarmante, muito ajudada por uma sedutora Ariane Labed (a heroína de Attenberg de Athina Rachel Tsangari, a tornar-se numa das actrizes francesas do momento) e por actores que encarnam com elegância os dois pólos masculinos entre os quais ela balança - a descontracção veterana de Melvil Poupaud e a intensidade do norueguês Anders Danielsen Lie.

 

Tudo isso ajuda a que as falhas naturais de uma primeira longa (como a banda-sonora demasiado convencional de Thomas de Pourquery ou um certo anonimato funcional no modo como este universo é filmado, sugerindo uma cineasta ainda a tactear em busca de uma identidade própria) possam ser ignoradas sem problemas. É só preciso desfrutar da viagem.

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