Universalização de comer à mesa é recente

Entrevista a Dulce Freire, historiadora.

A historiadora Dulce Freire, coordenadora do projecto Agricultura em Portugal: Alimentação, desenvolvimento e sustentabilidade (1870-2010), e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, explica que a universalização de jantar ou almoçar à mesa é recente. Fazer refeições em conjunto está na base da nova pirâmide da dieta mediterrânica.

O que mudou nas reuniões das famílias à mesa?
A primeira questão é: que famílias tinham mesa? A mesa de refeições não era um objecto comum em todas as regiões. Uma família rural, dos anos 1930, 1940, mesmo dos anos 1960, podia não comer à mesa. Comia junto à lareira, em algumas regiões comia numa tripeça – uma mesa em miniatura que se guardava junto à lareira, junto ao calor. E muito menos comia com prato, copo, e talheres – comiam todos numa bacia, cada um tinha o seu garfo ou colher.
 
E no consumo de comida das famílias, o que se alterou?
A transição nutricional dos portugueses aconteceu nos anos 1960/70. Foi nessa altura que começaram a adoptar padrões de consumo alimentar considerados modernos, com maior quantidade de proteínas animais, vitaminas, diversidade de produtos e uma distribuição mais equilibrada desses produtos ao longo do ano. Uma das características das sociedades rurais, que em Portugal foram dominantes até aos anos 1960, é que a maior parte da população trabalhava no campo e os rendimentos provenientes da agricultura eram muitos importantes para o rendimento doméstico. A agricultura era fundamental para a alimentação e os alimentos disponíveis eram repetitivos de acordo com a sazonalidade. O que podia acontecer em zonas pobres como São Pedro do Sul é que a colheita de batata de uma família de agricultores podia não chegar de uma época a outra e a partir de Novembro-Janeiro já não teriam batatas para consumir, ou seja, haveria uma perda da quantidade de calorias. O mesmo acontecia com azeite, cereais, leguminosas: a alimentação em cada família estava condicionada ao que havia em cada época e o que existia podia não ser o mais indicado para manter uma alimentação equilibrada. A subnutrição era generalizada e muitas pessoas recordam-se bem de que passavam fome.

De onde vem a origem da cultura de se ter muita comida à mesa, é algo do Norte?
Não é só no Norte. Presumo que venha dos dias de festa. Até aos anos 60, para a maior parte das famílias, o quotidiano, tanto no Norte como no Sul, era escasso, mas nos dias de festa, havia abundância (nos casamentos, nos baptizados…). A mesa farta sempre foi algo a que todos aspiravam: era sinal de riqueza, bem-estar, boa situação financeira. O que acontece é que as pessoas quando têm convidados procuram pôr o melhor na mesa. A zona do Norte sempre foi uma zona mais fértil e de emigrantes, sobretudo a partir de finais de século XIX. Revelar
ostentar essa opulência (na mesa) pode revelar maior disponibilidade financeira. Tem a ver com essa necessidade de querer receber bem e de se mostrar que se está bem.

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