Fundadora das Avós da Plaza de Mayo encontra neto desaparecido há mais de 35 anos

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Estela de Carlotto na hora de anunciar que o seu neto tinha sido encontrado TELAM -Florencia Downes/AFP

Depois de mais de 35 anos à procura, Estela de Carlotto conseguiu finalmente localizar o seu neto Guido, uma das muitas centenas de crianças nascidas na prisão no período da ditadura argentina (1976-83) e que foram roubadas à família pelo regime militar.

Estela de Carlotto é a fundadora e presidente das Avós da Plaza de Mayo, uma organização que mobiliza centenas de mulheres que tentam resgatar a memória dos seus familiares e recuperar a ligação com os seus netos perdidos. Todos os dias, as avós exigiam justiça na famosa praça onde assenta a Casa Rosada, o palácio presidencial da Argentina: ao longo dos anos, a associação tornou-se um dos mais importantes símbolos da luta pelos direitos humanos na América Latina.

Em anos de actividade, a organização conseguiu reconstituir a história individual de centenas de presos políticos argentinos, desaparecidos pelo regime, e em muitos casos recuperar os seus restos mortais. Conseguiu, também, identificar 113 filhos nascidos em cativeiro e apresentá-los aos seus legítimos familiares que nunca desistiram de os procurar. Mas ainda tem em mãos pelo menos 400 “processos” de bebés desaparecidos.

Esta terça-feira, numa emocionante conferência de imprensa em Buenos Aires, a presidente das Avós da Plaza de Mayo anunciou que tinha chegado a sua vez: uma outra criança sequestrada tinha sido recuperada e era o seu neto. Foi a juíza María Servini de Cubría, encarregada pela investigação de vários casos de desaparecimentos do tempo da ditadura, quem lhe deu a notícia. “Fui ter com ela e disse-lhe: Estela, encontramos mais uma criança, e é o Guido”, contou.

“Tenho a certeza que Laura, a minha filha que foi assassinada [na prisão], está a sorrir no céu”, disse Estela, referindo-se à filha, que militava no movimento guerrilheiro de oposição Los Montoneros e foi presa, juntamente com o seu namorado Óscar, conhecido como Chiquitito, em Novembro de 1977 . Tinha 23 anos e estava grávida. “Ela sabia que eu jamais me esqueceria do que lhe fizeram, e que nunca desistiria de perseguir os seus carrascos. Estará agora mesmo a dizer ‘Mamã, ganhaste uma grande batalha’. Mas este prémio não é so meu”, observou.

“Aqui comigo tenho muitas avós que estão há muitos anos à procura dos seus netos. Não falamos em ódio nem queremos vingança; falamos em justiça e verdade e queremos que estas histórias nunca mais se repitam”, declarou.

Laura deu à luz no centro de detenção militar clandestino de La Cacha a 26 de Junho de 1978 um rapazinho a que chamou Guido, o nome do seu pai. Poucas horas após o nascimento, o bebé foi retirado à mãe, registado com uma identidade falsa e entregue a uma família adoptiva na localidade rural de Olavarría, 300 quilómetros a Sul da capital. Hoje em dia, dá pelo nome de Ignacio Hurban, é pianista e dirige uma escola de música. “Não queria morrer sem poder abraçá-lo”, confessou Estela de Carlotto, de 83 anos.

A descoberta deveu-se ao próprio Ignacio, que assoberbado por dúvidas sobre a sua identidade procurou as Avós da Plaza de Mayo para se submeter a testes de ADN e reconstruir a sua própria história. Os exames confirmaram sem margem para dúvida que o pianista de 36 anos é o filho perdido de Laura Carlotto. À época da sua detenção, a família não sabia que a estudante estava grávida — só algum tempo depois é que a sua mãe descobriu que Laura, assassinada na prisão a 25 de Agosto de 1978, tinha casado e tido um filho na cadeia, baptizado com o nome do avô.

Estela ainda não conheceu Guido/Ignacio, mas pelas fotografias já percebeu que “é muito parecido com os Carlotto”. “É um artista, um bom rapaz. Veio ter com as Avós, contou a sua história. E quando lhe disseram que era o neto de Estela, também ele pode finalmente colocar no lugar certo aquela peça [do puzzle] que ele sabia que não encaixava. Ainda não sabemos a história completa, mas pelo menos já sabemos quem o entregou e quem o criou, quiçá inocentemente. Temos muita informação, mas vamos ser cautelosos, este é um choque para qualquer pessoa”, referiu.

E depois de três décadas de buscas, Estela de Carlotto diz que as explicações podem ficar para mais tarde: “Quando o vir creio que nem vou dizer nada. Só o quero abraçar. Sei que será como sempre sonhamos.”

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