Política de “olho por dente” em Gaza deixa a paz mais longe

Israel voltou a “cortar a relva” ao movimento radical islâmico. O Hamas atacou como nunca antes tinha atacado. Os dois estão mais fortes. Depois do cessar-fogo, as negociações decorrem no Cairo.

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A devastação provocada pelos ataques israelitas foi muito maior do que a da anterior “grande guerra” MARCO LONGARI/AFP

A poeira da guerra parecia estar a assentar depois do acordo de cessar-fogo negociado pelo Egipto em que Israel e o Hamas se comprometeram a parar as hostilidades durante 72 horas para negociar.

Os soldados e tanques israelitas saíam da Faixa de Gaza, e não havia rockets a voar contra Israel, mas nos dois lados parecia haver mais uma sensação de alívio do que uma atmosfera de vitória. Terá sido mais um “cortar de relva” de Israel ao Hamas ou as negociações do Cairo poderão fazer avançar algum tipo de acordo mais duradouro?

Na imprensa israelita iam surgindo detalhes das negociações – o Yediot Ahronot dava conta da rejeição já antecipada de pelo menos duas reivindicações dos palestinianos, um aeroporto e um porto para Gaza.

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Já o Jerusalem Post dedicava um grande artigo à possibilidade de um processo no Tribunal Penal Internacional, como já foi ameaçado pelos palestinianos. Ambos os lados têm acusado o outro de crimes de guerra num conflito que subiu todas as escalas de violência em guerras no território.

O Hamas conseguiu disparar rockets até Telavive e fazer cancelar voos internacionais, e provocar um alto número de baixas militares israelitas, com os soldados a cair em emboscadas, túneis armadilhados, e em trocas de tiros em zonas densamente povoadas.

Do lado palestiniano, um enorme número de vítimas civis: mais de 1800 mortos, mais de 9 mil feridos, a maioria com gravidade, desfigurados, incapacitados, queimados. Os palestinianos chamavam à operação militar de 2008-2009 “a grande guerra”. A escala de destruição e morte desta ofensiva ultrapassa claramente a anterior.

A grande densidade populacional de Gaza torna difícil evitar vítimas civis. Os túneis do Hamas – Israel diz que foram descobertos mais de 30 – punham desafios especiais, exigindo explosivos para destruir entradas, os próprios túneis, e estruturas como salas de armazenamento.

Se este grande número de vítimas palestinianas é explicado por causa da necessidade de Israel conseguir o seu objectivo – destruir os túneis – num curto espaço de tempo e tentado evitar que os seus soldados sejam mortos ou capturados, também há outro elemento na ofensiva. Se não, como explicar que tenham sido atingidas a central de produção eléctrica de Gaza, por exemplo? O próprio secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi apanhado por um microfone a ironizar sobre esta ser uma operação militar com objectivos definidos.

Como explicava o analista da Brookings Institution e professor em Georgetown, Daniel L. Byman, na Foreign Policy, isto não é um acaso: é resultado de uma política de “olho por dente” de Israel. A doutrina da proporcionalidade é ignorada a favor de outra doutrina de guerra – ao castigar o adversário com danos desproporcionados, este pensará duas vezes antes de atacar de novo. Esta é a alternativa à solução negociada.

Em Israel, a maior parte das tácticas usadas são vistas como auto-defesa e o facto de haver vítimas colaterais é apresentado como uma consequência directa do facto do Hamas ter combatentes e armamento entre a população, levando Israel a acusar o movimento de usar civis como escudos humanos.

Mas vários jornalistas que estiveram em Gaza, como o editor de Médio Oriente da BBC Jeremy Bowden, dizem que não têm qualquer prova disto, e responsáveis sublinham que o Hamas não é apenas um movimento militar mas também civil, e que “faz parte do ADN da população palestiniana”.

Israel vê como legítima a destruição de casas de responsáveis do Hamas, a ONU não. Israel vê como legítimo disparar contra escolas onde tenham sido armazenados rockets, a ONU não. As Nações Unidas, que viram ataques mortíferos em três das suas escolas a funcionar como abrigos, usaram uma retórica forte, acusando directamente Israel de ataques imorais e ilegais sob a lei internacional.

À saída de Gaza, um soldado israelita confessava ao diário britânico que estava aliviado por voltar a casa, mas que não estava 100% certo de que retirar fosse a opção correcta. “O Hamas ainda está no poder em Gaza. E o Hamas é como uma erva daninha, é preciso matar a raiz ou vai crescer de novo”, disse. Em Israel, as operações contra o Hamas são chamadas “cortar a relva” – fazer diminuir as capacidades do movimento islamista, sabendo que vão crescer de novo. Analistas sublinham que tirando o Hamas em Gaza, quem cresceria não seria a mais moderada Fatah, mas sim movimentos mais radicais.

“Vitórias reais são, de cada lado, difíceis de conseguir. Não há fim para este dilema, e deverá ficar mais intenso”, comentava Daniel L. Byman. “Usam o termo cortar a relva – se Israel não fizer nada, o problema vai ficar fora de controlo.” A maioria dos analistas não vê grandes hipóteses de um acordo de paz duradouro no Cairo. 

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