Colégio dos Meninos Órfãos ameaçado por fecho de esquadra?

Os silhares conseguiram até hoje ficar largamente imunes a barbaridades, selvajarias e roubos, para o que terá largamente contribuído a proximidade profiláctica e dissuasora da esquadra da PSP.

Passados 465 anos sobre a sua refundação pela rainha D. Catarina, mulher de D. João III, o Colégio dos Meninos Órfãos da Mouraria/Edifício Amparo poderá estar hoje a defrontar uma das maiores ameaças registadas na sua história.

O fecho anunciado da 6.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública – situada na Rua da Mouraria e instalada no rés-do-chão do histórico edifício, a ser proximamente transferida para a Rua da Palma – veio chamar mais uma vez a atenção para as preocupantes condições de insegurança e vulnerabilidade de uma das obras-primas do património azulejar da cidade, integrando 41 painéis setecentistas com cenas do Antigo e do Novo Testamentos atribuídos ao pintor lisboeta Domingos de Almeida e datáveis de 1761.

Apesar da importância histórica do edifício distribuído por vários corpos e pátios e do seu inestimável recheio decorativo, que justificaram a respectiva classificação como Imóvel de Interesse Público em 1986, não existe no próprio local uma sinalização identificadora, por mais simples que seja; apenas uma “coluna informativa” colocada nas proximidades chama, de modo insuficientemente telegráfico, a atenção de munícipes e visitantes, quer portugueses quer estrangeiros.

Os silhares conseguiram até hoje ficar largamente imunes a barbaridades, selvajarias e roubos, para o que terá largamente contribuído a proximidade profiláctica e dissuasora da esquadra da PSP. O seu encerramento poderá implicar, se não for acompanhado ou contrabalançado por medidas adequadas, o muito provável ataque aos preciosos painéis: o edifício não apresenta quaisquer condições de segurança patrimonial, sendo a entrada e permanência prolongada no seu interior quase inteiramente livres e sem guardaria, e o fecho diário das instituições que o ocupam e que de algum modo o protegem – nomeadamente a Fundação Inatel, um centro de idosos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e um posto de atendimento da extinta Junta de Freguesia do Socorro – deixa-o completamente desprotegido durante a noite.

Ignoro o destino previsto, se porventura o foi, para as futuramente desactivadas instalações da PSP. Mas talvez seja esta a altura ideal para se repensar o conjunto patrimonial e artístico do Colégio dos Meninos Orfãos e dignificar a sua presença cultural, histórica e turística naquela zona da cidade. A sua incontornável relevância, reconhecida no próprio regime de protecção legal que lhe foi atribuído pelo Estado, justificaria plenamente a instalação na antiga esquadra de um centro interpretativo do monumento e de toda a respectiva zona de implantação, aliado desejavelmente a um posto de informação turística. Este núcleo museológico, a integrar eventualmente na rede polinucleada do Museu de Lisboa (responsável pelo projecto expositivo), poderia servir de âncora aos itinerários históricos estabelecidos desde Março de 2014 pelo GABIP Mouraria, gabinete técnico coordenador das recentes intervenções municipais de reabilitação do bairro, e utilizados, designadamente, nas visitas guiadas promovidas pela Associação Renovar a Mouraria.

A colaboração íntima entre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Fundação Inatel (ocupantes do edifício, contribuindo com o seu apoio financeiro), a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e a Câmara Municipal de Lisboa (suas protectoras e guardiãs), para além da Associação Renovar a Mouraria (que não negará disponibilidade e generosidade) e da própria Polícia de Segurança Pública (na esperança de que nunca seja necessário recorrer aos préstimos do SOS Azulejo da Polícia Judiciária...), permitirá certamente chegar-se a uma plataforma comum de defesa, salvaguarda e revitalização deste conjunto monumental, transformando-o em mais um pólo dinamizador da Mouraria.

Uma certeza tenho: a extraordinária banda desenhada azulejar que se esconde em meio recato no Colégio dos Meninos Órfãos merece e exige melhor sorte. Oxalá – palavra muito portuguesa e cuja origem árabe me parece aqui particularmente indicada – os actuais fados não lha neguem.

Grupo Amigos de Lisboa

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