Uma solução engenhosa e vergonhosa

É caso para dizer o banco Bom, o banco Mau e o Vilão. O Banco de Portugal partiu o Banco Espírito Santo em dois. De um lado ficou um banco com os activos de qualidade e que terá um imaginativo e asséptico nome de ‘Novo banco’. Um huxleyano Admirável Banco Novo. O outro banco será um ‘bad bank’ que vai agregar todos os activos tóxicos do antigo BES, tais como os créditos concedidos às holdings da família Espírito Santo.

É uma solução engenhosa porque protege os clientes e depositantes do banco e porque separa o risco soberano do risco bancário. Mas é uma solução vergonhosa porque aplica o mesmo castigo (perda total de património) à família, aos grandes e aos pequenos accionistas, muitos deles pequenos aforradores, clientes ou trabalhadores do banco.

Vamos por partes. A solução é realmente engenhosa. O Estado empresta 4,4 mil milhões ao Fundo de Resolução bancária (um fundo detido por todos os bancos nacionais), que também entra com 500 milhões de euros. O dinheiro (4,9 mil milhões) vai directamente para o capital do ‘Novo Banco’ que passa a ser propriedade do tal Fundo de Resolução. Os actuais accionistas perdem tudo, ou melhor, quase tudo. Ficam accionistas de um ‘bad bank’, que é quase pior do que não ter nada.

A solução tem várias vantagens: O Estado não nacionaliza o banco, pelo menos como aconteceu com o BPN. Como o dinheiro não é injectado directamente no novo BES, os 4,4 mil milhões de euros que o Estado empresta contam como dívida, mas não como défice nas contas públicas. E a probabilidade de os contribuintes perderem dinheiro é diminuta, pois os restantes bancos do sistema financeiro garantem que o Estado recebe o dinheiro de volta.

Há naturalmente uma transferência de riscos do BES para os restantes bancos do sistema financeiro que agora, através do Fundo de Resolução, terão de tentar vender o ‘Novo BES’ para devolver o dinheiro dos contribuintes. E se não conseguirem vender o novo banco pelo menos por 4,9 mil milhões, terão de ser eles próprios a cobrir as perdas.

Mas ao fazer tábua rasa do património dos mais de 30 mil accionistas do BES, como se se tratasse de um grupo de malfeitores, o Banco de Portugal dá a machada final no mercado de capitais. É mais um caso, como o da PT, da Cimpor ou da Brisa, de atropelo aos direitos dos pequenos accionistas.

Quem aplica o seu dinheiro em acções sabe naturalmente que está a correr riscos. Mas muitos portugueses compraram acções do BES ou não venderam porque confiaram na palavra dos reguladores. E perderam tudo.

Quando no dia 10 de Julho Carlos Costa afiançou que o banco tinha uma almofada de liquidez para precaver qualquer percalço, muitos aforradores confiaram e compraram (ou não venderam) acções do BES. Duas semanas depois veio-se a saber que afinal o buraco no BES era muito maior e que afinal a almofada não chegava para nada. E quem confiou no regulador perde hoje tudo.

E quem comprou acções porque Carlos Costa disse no dia 16 de Julho que havia investidores privados interessados no BES comprou porque confiou na palavra do governador. Confiaram tantos que nesse dia as acções dispararam 20%. Os tais investidores privados nunca apareceram. Hoje as acções não valem nada. Zero.

Carlos Costa não terá culpa de ter sido enganado pela anterior administração do BES ou de ter contratado um auditor que demorou muito tempo a descobrir a real situação do banco. E também, imagino, não terá culpa se havia investidores interessados e que deixaram de estar.

Mas quem não tem mesmo culpa são os pequenos accionistas que investiram no banco (ou não venderam as acções) porque confiaram na palavra do governador. E hoje tem um vergonhoso património de zero. E quando quiserem vender o ‘Novo BES’ no mercado de capitais para encaixar dinheiro para devolver ao Estado peçam àqueles que hoje perderam tudo para voltarem a confiar.

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