Memórias de Família

Memórias de Família

A fotografia que resgatou uma história

Aurélio de Mendonça e Pinho morreu em combate

A fotografia do tenente Aurélio de Mendonça e Pinho estava esquecida entre papéis, até ao dia em que Nuno Borges de Araújo, casado com uma prima do militar português, a resgatou, de uma casa de família, na Guarda. A impressão foto-mecânica mostra um homem em pose, olhos grandes, bigode e de costas bem direitas, como quem mostra a farda com orgulho. A legenda que acompanha a imagem, impressa pela firma Marques Abreu & C.ª, do Porto, explica que quem nos olha é Aurélio de Mendonça e Pinho, tenente de Artilharia 2, “Morto Heroicamente em França nos combates de 9 d’Abril de 1918”.

Nascido a 12 de Junho de 1891, em Açores, Celorico da Beira, Aurélio era filho de José Rodrigues Ferreira de Pinho e Maria de Jesus Mendonça e Pinho. Morreu sem ter casado e sem descendência, pelo que, quase cem anos depois, a sua memória podia ter sido completamente apagada, não fosse a imagem descoberta por Nuno Borges de Araújo.

“Não tenho muita informação sobre ele. A minha sogra é que sabia alguma coisa, mas não muito, também”, diz ao PÚBLICO. Nuno Borges de Araújo contou o pouco que sabia deste parente afastado da esposa à investigadora Margarida Portela, do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, juntando um rosto ao nome gravado numa das campas do Cemitério Português de Richebourg, em França.

Nuno nunca lá esteve, mas descobriu, através do grupo de Facebook Corpo Expedicionário Português 1916-19, que o primo da mulher estava enterrado no talhão D, fila 1, coval 20. Afonso da Silva Maia, que criou o grupo e mora em França, enviou-lhe fotos da campa de Aurélio, com a pedra esverdeada pelos anos.

As conversas trocadas nessa página de Facebook permitiram a Nuno descobrir que o tenente pertencia ao 1º Grupo de Baterias de Artilharia que, a 9 de Abril de 1918, durante a famosa Batalha de La Lys, estava a poucos quilómetros da frente, tendo sofrido fortemente com o fogo da artilharia alemã. Ferido, Aurélio acabaria por não resistir e acabou por perder a vida a 9 de Abril. “Morreu no mesmo dia em que o meu avô foi feito prisioneiro pelos alemães, em Lacouture”, diz.

Aurélio de Mendonça e Pinho, morto aos 26 anos, ao comando da sua bateria, foi um dos mais de cem mil soldados portugueses que participaram na Grande Guerra, do Norte de França até África. Quase oito mil homens morreram, incluindo muitos do Corpo Expedicionário Português, enviado para França. Aurélio foi um deles, enquanto o avô de Nuno foi feito prisioneiro. Soldados da mesma guerra, na mesma área de batalha, quem sabe se não se terão conhecido, nas trincheiras enlameadas da Flandres?
 

  


 

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  • Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que são avaramente permitidos aos mais felizes.

  • O que contam os descendentes de quem viveu a guerra de forma anónima? Cem anos depois do início da I Guerra Mundial, já sem a geração do trauma, a memória reconstrói-se e tenta-se a biografia portuguesa do conflito europeu.Durante três dias, os testemunhos chegaram ao Parlamento na iniciativa Os Dias da Memória.

  • Ao contrário da generalidade dos militares portugueses evocados nestas páginas, o contra-almirante Jaime Daniel Leotte do Rego (1867-1923) não precisa de ser resgatado do esquecimento

  • Joaquim de Araújo foi uma testemunha privilegiada de alguns dos mais duros combates da guerra em Moçambique

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