À procura do inimigo, do outro lado do rio

Depois do fracasso de Namaca, os soldados portugueses conseguem atravessar o Rovuma para o lado alemão em Setembro de 1916. Com tanta facilidade que acreditaram poder bater os alemães e regressar a casa antes do final do ano. O governo pressionava o comando para marchar, os cuidados com o inimigo ou com o abastecimento de água e comida relaxaram e, já bem dentro do território alemão, aconteceu o inevitável. A pesada derrota em Nevala destruiu a maior expedição enviada a Moçambique na Grande Guerra.

Foto
Manuel Roberto

Junto a Quionga, concentravam-se nessa madrugada de maré baixa e luar ténue 120 oficiais e 4060 homens. A sua capacidade de fogo apoiava-se numa linha de 2682 espingardas, 10 metralhadoras, 12 peças de artilharia de montanha e um canhão de marinha que fora arrastado a custo pelo mato e pelo capim até ao planalto de Namoto. Uma vez mais, as tropas portuguesas tentavam a invasão do território alemão do outro lado do rio, depois da travessia falhada de 27 de Maio.

O comando das operações estava disposto a conquistar a outra margem, custasse o que custasse. Agora, e ao contrário do primeiro ensaio, as forças estavam centradas num único ponto. Não haveria dispersão de tropas, para além das que integravam a Coluna Negra, preparada para atravessar o rio em frente a Nhica, 40 quilómetros a montante; não haveria o risco de ensaiar a passagem em barcos que se tornavam alvos fáceis para as metralhadoras alemãs; não haveria arraiais nocturnos nem outras imprevidências capazes de despertar o inimigo. O general Ferreira Gil tinha muitas dúvidas sobre as condições de combate daquela tropa, mas no que estava ao seu alcance tudo faria para apagar da memória da derrota de Namaca com uma vitória como a da conquista de Quionga.

Até chegar àquele dia, a tropa da terceira expedição a Moçambique passara dois meses de vida calma. Alguns soldados arrancados às leiras do Minho ou às serras da Beira encontravam-se isolados em postos remotos instalados nas margens do rio que faz fronteira com a Tanzânia ao longo de 730 quilómetros. A maioria, porém, aborrecia-se sob o calor abrasador de Palma ou lutava por sobreviver aos frequentes ataques de paludismo ou disenteria. O fracasso da tentativa de atravessamento do rio em 27 de Maio deixara marcas no moral. Era preciso ter calma. O corpo expedicionário que a partir de Junho desembarcara nas praias da baía do Tungue ganhava tempo, esturricando a pele na praia, entretendo-se em batucadas noite fora ou apostando na razia que os leões haveriam de causar no cercado onde os carregadores negros passavam a noite.

As prioridades do comando eram de pôr ordem num exército indisciplinado, mal treinado e recrutado à pressa entre aldeões da metrópole e indígenas que na maior parte dos casos nem falar português sabiam. Alguns documentos existentes no Arquivo Histórico Militar dão-nos conta dessa barafunda. Em Maio de 1916 o administrador do concelho do Lago é ameaçado com uma pena de prisão de dez anos se não reparar as estradas do município para facilitar o movimento de tropas. De Quionga, onde o quartel-general se encontrava estacionado em 23 de Junho de 1916, chega uma ordem para que o chefe de concelho de Mucoso mande fuzilar “todos os presos acompanhados de escolta que tentem fugir” e os espiões. A 16 de Agosto 1916, o quartel-general em Palma pergunta ao administrador do concelho de Tungue se o segundo cabo n.º 9 Guete e o soldado n.º32 Sahide pertencem ao corpo de Polícia Militar, ao que administrador responde que não está habilitado a dar essa informação, que só em Porto Amélia saberiam.

A devoção burocrática e a calma de Ferreira Gil tinham a seu favor o facto de ter havido atrasos no desembarque de equipamentos. “Só em 7 de Setembro é que principiou a desembarcar uma bateria de montanha, a última da expedição e com ela no Amarante iam quase todos os solípedes, arreios, lençóis impermeáveis, géneros alimentícios, rações, condutores, tratadores, viaturas várias, etc.”, recordaria o deputado oposicionista Vasconcelos e Sá, numa das sessões secretas da Câmara dos Deputados e do Senado, que em Julho de 1917 se dedicou a debater as agruras da Grande Guerra. Em Lisboa, porém, instalara-se o nervosismo e a pressa. Em Agosto de 1916 aumenta a suspeita de que os alemães estavam a um passo de sucumbir às ofensivas britânicas que o general sul-africano Jan Smuts lançara no Norte e Leste da actual Tanzânia. O Governo receava que a guerra acabasse sem que as tropas portuguesas tivessem sido capazes de apresentar qualquer conquista capaz de garantir ao país uma posição favorável nos futuros acordos de paz. Era, por isso, “necessário iniciar ofensiva rapidamente, para não corrermos o risco de chegar tarde ou de ser inútil a nossa acção”, sentenciava por essa altura uma ordem assinada por António José de Almeida, Presidente do Ministério (primeiro-ministro) e ministro das Colónias.

O prestígio da Pátria visto de Lisboa

Quando os rumores de que o exército alemão comandado por von Lettow-Vorbeck estava no limiar da exaustão chegam à base de Palma, os soldados começam a sonhar com o fim do suplício africano. “No jornal da caserna dizia-se que lá para Novembro ou Dezembro todas as tropas teriam embarcado para Portugal”, recorda o alferes Carlos Selvagem no seu jornal de campanha, que seria publicado em 1924 sob a forma de livro com o título Tropa d’África. O pior mesmo para os soldados era resistir ao clima inóspito e às doenças que grassavam nos bivaques.

Dois meses apenas bastaram para que a terceira expedição sentisse os seus efeitos. Palma tinha-se transformado num imenso hospital onde tudo era precário. “Faltavam à expedição coisas essenciais, pois ocasiões houve em que não existia uma gota de álcool, um grama de quinino, ou uma seringa para infecção; mas Lisboa, solícita, enviava pontualmente carregamentos de ferraduras”, recordaria o alferes médico Américo Pires de Lima, sublinhando o ridículo das ferraduras, inúteis para animais comprados na África do Sul que estavam destinados a trilhar os solos arenosos da região.

Por essa altura, o general Ferreira Gil estava consciente do problema que tinha em mãos e tratava de avisar Lisboa dos limites colocados pelo estado de saúde das tropas à projecção de grandes ofensivas do outro lado da fronteira do rio Rovuma. A 6 de Agosto envia um telegrama para o Governo, prevendo que no espaço de dois meses 75% do seu efectivo estaria arrasado pelas doenças.

Se o aviso do comandante tivesse sido levado a sério, a pressa em mandar as tropas para o combate em território inimigo poderia ter sido melhor ponderada. Mas não foi. O Governo insistia, o que um ano mais tarde seria interpretado por Vasconcelos e Sá como um sinal de “incompetência absoluta, inconsciência e indiferentismo pela vida dos soldados”. Desesperado, Gil ensaia outros argumentos. A 15 de Agosto informa que há “grandes dificuldades no desembarque do material e do gado”. Acrescenta que continua à espera da chegada do navio Amarante “com artilharia e do Beira com medicamentos”. Insiste que “não tem camions ainda”. Sem sucesso.

O general lançava alertas, mas decide iniciar os preparativos da ofensiva. Concebe uma estratégia ardilosa que lhe permitia apresentar serviço a Lisboa sem ser obrigado a mobilizar grandes recursos. Em Agosto envia destacamentos para avaliar a possibilidade de se atravessar o Rovuma a vau. Um dos eleitos foi Viriato de Lacerda, um dos mais prestigiados oficiais das campanhas em Moçambique, que haveria de ser morto no combate da serra Mecula, no final de 1917. Outro foi Jorge de Castilho, que em 1927 se tornaria um dos novos heróis da Pátria por ter sido o navegador do avião que fez a primeira travessia nocturna do Atlântico.

Apesar de alguns os incidentes e da morte de um cabo alvejado da margem alemã, os destacamentos encarregados de descobrir pontos de passagem a vau no Rovuma conseguiram os seus objectivos. Duas rotas estavam traçadas. Uma, na embocadura do rio; a segunda, menos importante, na zona de Nhica, onde a Coluna Negra devia passar para a outra margem. Os erros tácticos cometidos na primeira tentativa de cruzar o rio não se repetiram. A passagem a vau, e não de barco, de uma coluna capaz de garantir uma testa-de-ponte na margem inimiga era bem mais segura para as tropas invasoras. Uma vez na outra margem, os planos consistiam em seguir pelo litoral, ocupando Mikidani (actual Mtwara) e mais acima Lindi, onde a existência de portos permitiria um fácil abastecimento de víveres e equipamento.

A garantia de que no Rovuma havia zonas relativamente fáceis de cruzar a pé, porém, não bastava para apaziguar os receios e ansiedades do quartel-geral de Palma. Dia após dia Gil continuava a tergiversar e o tom dos telegramas que chegavam de Lisboa era cada vez mais ameaçador. A 5 Setembro, o ministro das colónias telegrafa para Palma afirmando que “governo inglês continua insistindo pela nossa imediata ofensiva, realmente indispensável para afirmar o nosso prestígio”. Por ora, o “Governo confia no general, esperando e desejando rápida e feliz acção”. Mas como nada acontecesse, o discurso agrava-se. Em 8 Setembro, um telegrama assinado por Afonso Costa, então ministro das Finanças e líder do Partido Democrático, no poder, raia a acusação de cobardia. “Governo sabe que V. Exª já tem à sua disposição meios de transporte suficientes para avanço imediato das tropas portuguesas, cabendo a V. Exª resolver se podem seguir já todas ou somente algumas. É indispensável não esperar pelo desembarque dos navios nem a chegada de mais camiões para começar a ofensiva, porque carece evitar que a guerra acabe, estando aí parados. Seria uma vergonha para o Exército e um desprestígio para a pátria. Em circunstâncias apertadas como as actuais deve-se avançar em quaisquer condições. O Conselho de Ministros confia na vossa atitude enérgica e pede comunique o que vai fazer”

Um dia depois, Ferreira Gil responde ao todo-poderoso chefe republicano. Desculpa-se com os argumentos do costume, mas finalmente avança datas concretas para a ofensiva. Um telegrama enviado ao Governo expõe as suas condições e o seu estado de espírito: “Não tenho neste momento meios [para] poder avançar pois está a desembarcar material artilharia, metralhadoras – infantaria, não se podendo mover sem ele. Trabalho incessantemente atravessar Rovuma várias pontes dia 17 e seguintes, seguindo depois Mikindani e Lindi. Em 14 e 15 começa avanço tropas. Farei tudo para seguir mais rápido possível, pois prezo muito honra exército país”. Poucos dias depois, a 13 de Setembro de 1916, o comandante da expedição dá conta de uma inevitável mudança de planos, uma vez que “navio almirante inglês lhe comunicou estar Mikindani ocupado pela bandeira inglesa”, pelo que se obrigava a pedir “instruções”. No actual estado de guerrilha entre a tropa e a política era, porém, impossível adiar o envio de tropas para as margens do Rovuma.

Por essa altura, a Schutztruppe de von Lettow-Vorbeck tinha perdido as suas posições no litoral. A 4 Setembro os ingleses instalaram-se em Dar-es-Salam e daí ocuparam os portos de Lindi e Mikidani. O que restava da força alemã encontrava-se refugiada algures para lá do planalto dos macondes que se prolonga da margem moçambicana após o intervalo criado com o gigantesco leito de cheia do Rovuma. Estava limitada uma coluna de 1620 europeus e 12 mil askaris (soldados indígenas), que facilmente se subdividia em destacamentos lendários pela sua audácia e mobilidade, como o do alferes Sprockhooff ou o capitão Von Stummer, que nos primeiros meses do ano se seguinte se entreteria, com a ajuda dos indígenas da tribo Ajaua, a fazer razias nos territórios do Niassa para reabastecer as colunas alemãs.

Pressionados pelas tropas inglesas, que reuniam colunas sul-africanas e indianas, pelos belgas e pelos portugueses, podia-se facilmente esperar que os alemães estivessem condenados a uma derrota a curto-prazo. Quando escreveu a história da conquista de Nevala, o coronel Azambuja Martins, chefe do estado-maior do general Ferreira Gil, admitiria até que ponto essa constatação era errada. Escreveu Azambuja Martins: “Os alemães retiraram em boa ordem, aproximando-se da nossa fronteira, concentrados em dois núcleos, um a sudoeste da sua colónia e outro, mais poderoso, sob o comando de Lettow, à rectaguarda do rio Rufiji”. As suspeitas de uma derrota iminente dos alemães estavam longe da verdade.

A 14 de Setembro, o jornal Star de Joanesburgo tornava pública uma convicção geral, considerando que, face às debilidades do exército português, era improvável acreditar na tese do cerco aos alemães. “Se as tropas portuguesas ao sul fossem por qualquer forma eficientes, ou mesmo até efectivas, como em teoria a sua situação nos leva a imaginar, a sua cooperação no momento actual seria do máximo valor para apressar o fim da campanha. Infelizmente não há razão para se depositar muita confiança nas suas faculdades para prestar auxílio”, lia-se no jornal. Havia ferraduras, mas faltavam seringas, havia metralhadoras mas faltava uma rede de etapas capazes de garantir os abastecimentos para uma força de milhares de homens, havia espiões contratados (o mais conhecido era Simba Ibrahimo Hadji “um homem hábil e esperto, prestável, sujo de corpo, intrujão, ávaro e cupido” na opinião sempre tingida de xenofobia de Carlos Selvagem), mas o comando vivia na estreita dependência das informações, muitas vezes erradas, dos ingleses.

A passagem

Como prometido por Ferreira Gil, milhares de soldados tinham-se concentrado no perímetro do triângulo de Quionga entre os dias 14 e 17 de Setembro. Com as conquistas britânicas de Setembro, os planos estratégicos do comando português tinham sido alterados. Agora a nova missão apontava para noroeste, para lá da escarpa que anuncia o planalto dos macondes do lado tanzaniano. Empurrado pela pressão política, Ferreira Gil não tinha escolha. “A epopeia da fome” ou “epopeia maldita”, como a designaram Carlos Selvagem e António de Cértima, estava prestes a começar.

O plano de travessia previa duas investidas diferidas no espaço de um dia. Uma série de manobras de diversão seriam lançadas em Unde e Mocímboa do Rovuma, dezenas de quilómetros acima da foz do grande rio. Na zona de Nhica, a Coluna Negra, organizada com duas companhias indígenas, uma companhia europeia de infantaria, quatro metralhadoras, duas peças de artilharia e um pelotão de infantaria montada (que incluía Carlos Selvagem) trataria de passar o vau o rio às 3h30 da madrugada do dia 18 – uma série de atrasos adiaria a partida para as 11h da manhã. No dia seguinte, o grosso das tropas, compostas por três colunas e uma coluna de reserva, passaria o rio a vau ou, num segundo momento, em jangadas construídas pelas equipas de engenharia militar. Uma vez na outra margem, todas as colunas se deveriam juntar em Migomba, em frente de Namoto. 

Com a excepção de uma breve troca de tiros na zona de travessia da Coluna Negra, tudo decorreu na mais perfeita quietude. A tão temida travessia do Rovuma, que teve lugar no dia 19 de Setembro de 1916, não passou de “um passeio de recrutas para experiências de heroicidade”, como ironizaria António de Cértima. “Nem um tiro heróico, nem um boche para troféu da conquista. Apenas meia dúzia de negros, uma peça do Konigsberg [navio de guerra alemão afundado em Dar-es-Salam em Julho de 1915], sem culatra, duas metralhadoras, mobílias, um cofre de latão, ferro-velho, imbecilidades apreendidas nos raids de exploração. De resto, belos entrincheiramentos, abrigos cheios de sabedoria, redutos originalíssimos – um curso esplêndido de táctica moderna e oportunismo militar”, notaria Cértima.

Na zona de Quionga, o Rovuma que corre na época seca (entre Maio e Novembro) é um rio estranho. As suas margens de aluvião estão por esta altura cheias de um capim alto, duro e, em alguns pontos, impenetrável. Depois, seguem-se extensos areais recortados por pequenos braços de rio que formam uma interminável rede de ilhotas ao longo do seu curso. Na zona de Namoto e de Kilambo, onde existe um dos dois postos fronteiriços entre Moçambique e a Tanzânia (o outro é o da Ponte da Unidade, em Negomano), pode-se hoje imaginar a aventura de milhares de soldados portugueses nessa noite de sucesso de Setembro de 1916. Na maré baixa, centenas cruzam o leito seco do rio a pé pela areia branca, a vau nas zonas menos profundas e de bote nos curtos trechos de maior caudal. Nesta estação, na maré alta, há uma ou duas viagens por dia num ferry que transporta, no máximo, três automóveis e um camião em cada um dos sentidos da fronteira. 

Não havendo alemães do outro lado, era fácil prever uma travessia calma. Tão calma que a crença na derrota iminente dos alemães encontrou naquele episódio um novo e maior fundamento. Ao nascer do sol, a bandeira portuguesa foi finalmente hasteada em território alemão, a cavalaria dedicou-se a missões de reconhecimento nas proximidades, mas “as tropas, nessa noite, já com dificuldade mantinham as prescrições de segurança regulamentares, convencidas de que a campanha terminara”, recordaria Azambuja Martins. Havia agora que estabelecer contacto com os britânicos, instalados a uns 60 quilómetros de distância, em Mtwara, distância que um pelotão comandado por Carlos Selvagem venceu em dois dias a cavalo apenas para constatar que “os ingleses nada tinham que comer” e regressar à base.

Havia que fixar com rigor que passos dar. É então que, uma vez mais, o Governo mostra a sua total incapacidade para perceber a realidade do terreno. Uma nova ordem vinda de Lisboa insiste “na ocupação de território na mais larga extensão, tanto para Norte junto ao mar, como Noroeste em direcção a Mahenge e Oeste, a abranger toda a extensão da fronteira até encontrar força aliada”. Entre a calma e, certamente, o desespero, Ferreira Gil esclarece que Mahenge fica a mais de 400 quilómetros de distância do Rovuma. E sublinha que “é completamente impossível qualquer destacamento internar-se centenas de quilómetros sem meios de conduzir víveres e munições”. Sempre bem informado sobre tudo o que se passava na frente de Moçambique, o deputado Vasconcelos e Sá diria mais tarde que essa era “uma ordem criminosa”.

Entalados do outro lado do rio, cedo os soldados começaram a sentir as consequências da negligência e da impreparação da campanha militar que protagonizavam. Os relatos de falta de água e de comida ganham um relevo crescente nos diários dos militares que chegaram até nós. Ferreira Gil sabia dessas dificuldades e, uma vez mais, tenta introduzir uma nota de realismo no delírio do governo. A 3 de Outubro, comunica a Lisboa que o general Smuts tinha “informações seguras de que o inimigo se moverá para sul para atravessar o território português e por isso não seria prudente mover as forças portuguesas para Norte, deixando a fronteira aberta ao inimigo”. Dias depois, informa que os camiões Kelly, cruciais para o abastecimento, estão sem câmaras-de-ar. Nada feito. Nos círculos da capital começam a circular suspeitas de incompetência. Na oposição assinala-se o facto de ser um “oficial desconhecedor de África, que aceitou um comando tão sério e grave de coluna principiada a organizar pelo general Garcia Rosado, esse conhecedor da África Oriental, despedido com castigo do comando à última hora”, notaria no Parlamento Vasconcelos e Sá.

Obrigados a prosseguir para noroeste, os oficiais e soldados sabem pelo nome dado à coluna principal que terão de subir ao planalto, de “combater o inimigo aonde o encontrar”, de conquistar o forte de Nevala, a uns 200 quilómetros da foz do Rovuma, e daí prosseguir mais 70 quilómetros até chegarem a Masasi. A dureza do caminho que aguardava a Coluna de Masasi ficou de imediato atestada numa missão de reconhecimento do caminho até Nevala. A 4 de Outubro de 1916, um dia de “sol excepcionalmente ardente e de calor intensíssimo”, a coluna começava a avistar o forte alemão quando caiu numa emboscada, em Mahuta. Morreram 33 soldados portugueses, e um capitão, um sargento e 12 praças ficaram feridos.

O pior, porém, estava para vir. Como diria mais tarde no Parlamento o deputado Vasconcelos e Sá na sua violenta denúncia das condições da guerra em Moçambique, acreditou-se “nos dizeres da imprensa da União Sul Africana, que dava como quase terminada, a curto prazo marcado, a campanha na colónia oriental africana alemã e que daí, em política que chamarei de bluff, ordenaram violentamente avanços, supondo-os fáceis, absolutamente inexequíveis para forças insuficientes como as que dispunha o general Gil, arrasadas, doentes, incapazes de se aguentarem, em linhas de comunicações longas, num clima inóspito”. Se a segunda expedição conhecera um triste epílogo em Namoto, a terceira teria em Nevala o seu ocaso.

 Próximo texto: Nevala, um forte longe de mais
 

Foto
Na maré baixa, centenas cruzam a vau as zonas menos profundas e de bote nos curtos trechos de maior caudal. Em cima, nesta estação, na maré alta, há uma ou duas viagens por dia num ferry que transporta, no máximo, três automóveis e um camião
Foto
Um aspecto do quotidiano de Nevala
Foto
Picada no planalto de Namoto
Foto
Forte de Nevala
Foto
Obrigados a prosseguir para noroeste, os oficiais e soldados sabem pelo nome dado à coluna principal que terão de subir ao planalto, de “combater o inimigo aonde o encontrar”, de conquistar o forte de Nevala, a uns 200 quilómetros da foz do Rovuma
Foto
Mulheres cruzam o leito seco do rio a pé pela areia branca
Sugerir correcção
Comentar