Memórias de Família

Memórias de Família

A última fotografia

Francisco Carolino foi um dos cerca de 8 mil portugueses que morreram no conflito

Pedia desculpa à irmã por eventualmente não estar muito bem na fotografia e poder não lhe agradar o retrato, a culpa não era sua mas sim da má qualidade dos fotógrafos na frente, escrevia. O soldado Francisco Carolino surgia assim fardado, luvas colocadas, bornal a tiracolo, em pose, apenas as botas enlameadas e o chão de terra retiravam à foto tornada postal (no verso escrevia estas suas considerações) alguma da solenidade que o fotografado provavelmente lhe quis dar. Tem o cigarro na mão que tem encostada a um banco alto de pau onde, pousado sobre um pano branco, repousa um livro, um cenário fotográfico típico para a época.

Enviada de França a 20 de Fevereiro de 1918, para a sua irmã, cujo nome não menciona, esta ficará sendo a última foto em vida deste soldado e as últimas notícias que a sua família receberá dele. Atestam os dados do Arquivo Histórico Militar, recolhidos pela historiadora do Instituto de História Conteporânea da Universidade Nova de Lisboa, Margarida Portela, que o soldado nº 528, pertencente a Infantaria 17, terá morrido umas duas semanas após o dia da fotografia, a 9 de Abril de 1918. Perdia assim a vida, solteiro, aos 24 anos, um dos quase 8 mil homens portugueses que perderam a vida durante este conflito. Todos os seus nomes podem ser consultados num memorial virtual desenvolvido pelo Arquivo Histórico Militar.

Nascido a 10 de Novembro de 1894 no concelho alentejano de Moura, morador na Rua do Rei, Sobral da Adiça, filho de Manuel Francisco Ribeiro e Carolina Maria, Francisco Carolino fez parte do Corpo Expedicionário Português em França, para onde partiu a 8 de Agosto de 1917.

Estas são as palavras da missiva, tal qual as escreveu, que o relator desta história, Rui Santos Vargas, fez chegar ao Instituto de História Contemporânea: Minha quirida [querida] e nunca esqueçida [esquecida] irmã do meu coração dizeijo [desejo] que ao riçeberes [receberes] deste meu ritrato tevá [retrato te vá] encontrar gozando uma perfeita e filis saude [feliz saúde] em companhia do mano Antonio e das minhas sobrinhas e de toda a familia. Querida irmã, eu te ofereço o meu ritrato [retrato] não sei se ficaras contente se não desculpa, de serem tão mal teradas e [tiradas é] porque o ritratistas [os retratistas] são ruins por hoje nada mais a gora da [agora dá] saudades ao mano Antonio Jose ao mano Francisco á mana Maria e vizinhos ás minhas sobrinhas e saudades ás tuas cunhadas e ao teu sogro e beijinhos ás minhas sobrinhas e a gora [agora] tu minha quirida [querida] e nunca esquecida irmã riçebi [recebe] muitos abraços deste teu irmão que te dizeja [deseja] ver e não te pode ter junto. Francisco Carolino. Espero resposta na volta do correio”.
 

  • José António Rebelo Silva, prior da freguesia de Colares desde 2006, ofereceu-nos uma missa que nos comoveu e, espantosamente, consolou.

  • Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que são avaramente permitidos aos mais felizes.

  • O que contam os descendentes de quem viveu a guerra de forma anónima? Cem anos depois do início da I Guerra Mundial, já sem a geração do trauma, a memória reconstrói-se e tenta-se a biografia portuguesa do conflito europeu.Durante três dias, os testemunhos chegaram ao Parlamento na iniciativa Os Dias da Memória.

  • Ao contrário da generalidade dos militares portugueses evocados nestas páginas, o contra-almirante Jaime Daniel Leotte do Rego (1867-1923) não precisa de ser resgatado do esquecimento

  • Joaquim de Araújo foi uma testemunha privilegiada de alguns dos mais duros combates da guerra em Moçambique

Comentários

Os comentários a este artigo estão fechados. Saiba porquê.