O que é que o padre Roberto tem?

Desde que souberam da “ameaça” da diocese do Porto de substituir o seu pároco, os habitantes de Canelas, em Gaia, reuniram uma petição com mais de 5000 assinaturas e saíram à rua em sua defesa.

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O movimento Uma Comunidade Reage é integrado por leigos, praticantes ou não, e por membros das várias estruturas pastorais da freguesia Paulo Pimenta

Tudo começou por causa de uma estátua a um antigo padre que um grupo de moradores de Canelas, uma freguesia urbana de Vila Nova de Gaia, queria mandar construir para colocar no átrio da igreja paroquial. Hoje em dia, todos concordam, sabe-se que a estátua foi só um pretexto. Já ninguém se importa que sejam feitas homenagens, ou não, ao padre Gabriel que já foi um dos responsáveis da paróquia.

Hoje em dia é o padre Roberto, o actual pároco e o primeiro a opor-se ao gasto em estátuas quem mobiliza a população mas mobiliza a sério. Já houve vigílias e manifestações silenciosas, concertos de apoio e recolha de assinaturas (mais de cinco mil, em menos de uma semana). E ainda vai haver um cordão humano, na próxima quarta-feira, que deverá chegar aos dois quilómetros de extensão. Tudo para impedir que o padre Roberto se vá embora da freguesia.

Foi no último São João, o padroeiro da paróquia de Canelas, que os canelenses souberam da intenção da Diocese do Porto de afastar o padre Roberto  dando seguimento a uma rotatividade de párocos a que já se começavam a habituar. Mas, desta vez, é diferente. “Não conhecíamos o padre Roberto de lado nenhum. Não fomos nós que pedimos para ele vir para cá. Mas agora não queremos que ele vá embora. Estamos muito satisfeitos com ele”.

Quem assim fala é José Almeida, um habitante de Canelas que até andava “há muito tempo” afastado das lides da igreja, e que integra desde a primeira hora o movimento Uma Comunidade Reage. Este discurso foi feito na última sessão de esclarecimento, convocada para a noite da passada quarta-feira, e que deixou o salão paroquial de Canelas, com mais de três centenas de lugares, a rebentar pelas costuras. 

O movimento não quer deixar o padre ir embora, e agora exige um pedido de desculpas público, assim como a existência de consequências na hierarquia da Igreja. “Queremos saber quem tramou o padre Roberto. E, quem o fez, não pode seguir a carreira eclesiástica como se nada fosse. É urgente conceber a Igreja de uma outra forma, uma Igreja da era do papa Francisco. Somos, talvez, a primeira paróquia em Portugal a assumi-lo”, discursou José Almeida, arrancando à audiência um impressivo coro de palmas. 

O movimento Uma Comunidade Reage é integrado por leigos, praticantes ou não, e por membros das várias estruturas pastorais da freguesia, como Maria Emília Oliveira, responsável pela catequese, ou Guilherme Santos, maestro no coro local. Começaram a última sessão de esclarecimentos a garantir que assim que tivessem as garantias de que o padre Roberto iria ficar na paróquia voltavam às suas “vidinhas e lugares de antes”, e que não havia qualquer ambição política a mobilizá-los. Verifica-se, antes, o contrário – os partidos e outras estruturas associativas é que prontamente se juntam ao movimento, associando os seus nomes aos pedidos públicos para a manutenção do padre, como é o caso do presidente da junta, Arménio Costa, que também esteve na sessão de esclarecimento, ou dos membros dos vários partidos com representação na Assembleia de Freguesia, que também assinaram um petição pública de apoio ao padre.

Na próxima quinta-feira, dia 31, o movimento tem uma audiência marcada com o bispo do Porto, Dom António Francisco, a quem pretendem entregar a petição (com mais de 5.700 assinaturas), bem como pedir uma actuação “em conformidade com as posições do papa Francisco”.

“Ninguém pediu este padre”, repetia, desde o palco do salão paroquial, o “leigo” Miguel Rangel. E agora ninguém o quer deixar ir embora. Porquê? O que é que o padre Roberto tem?

As respostas ensaiam-se a muitas vozes, mas nenhuma delas apresenta uma teoria de imediata sustentação. “Ele deve ter feito muito bem a muita gente. Ninguém saía de casa a estas horas [para participar numa sessão de esclarecimento num salão lotado], se não nos estivesse a sair do coração”, disse ao PÚBLICO José Matos. A esposa, Maria Matos, que já foi catequista, mas que agora não exerce nenhuma actividade, acrescenta: “É um padre que nos compreende, é um padre da era moderna, que percebe o divórcio, que compreende os jovens e compreende os mais antigos. É um padre que sabe falar com todos. Que nos cativa”.

Ana Pedrosa tem os filhos a participar no grupo de jovens e provém de uma família tradicionalmente ligada à Igreja – mãe, avó, bisavó foram zeladoras de uma capela. “Quando a minha mãe morreu, no ano passado, o padre teve um cuidado connosco especial. Este padre é diferentes dos outros, mas não lhe sei explicar porquê. Apesar de muita gente só vir a Canelas para dormir, porque trabalha fora, às vezes sentimos que estamos numa aldeia. Todos nos conhecemos. E o padre Roberto ajuda-nos a sentir isso”.

A verdade é que o padre Roberto não fala com jornalistas, nem nunca se juntou a movimentos. Aliás, diz José Almeida, agora é o movimento que lhe pede que “não se meta”. “Isto já extravasou a mera substituição de um padre. Isto já não tem a ver só com ele. Isto já tem a ver com a Igreja da nova era, contra a corrupção, contra o carreirista eclesiástico. Canelas está a fazer escola”, explica José Almeida, falando de ameaças e de corrupções, mas sem concretizar nenhuma acusação.

A diocese do Porto também não deu qualquer resposta aos pedidos de esclarecimento do PÚBLICO. O que é indesmentível é que, em pleno século XXI, um padre de 40 anos mobilizou uma freguesia urbana, e até tem conseguido ir buscar “fregueses” a paróquias vizinhas. E que esta comunidade em crescendo se tem multiplicado em acções ordeiras, sem protestos e sem insultos.

“Canelas é um exemplo. Não temos dúvidas disso”, termina Miguel Rangel, um dos principais impulsionadores deste movimento.

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