“Podem fazer a prova mas nós não deixamos de fazer barulho”

Dia da prova de avaliação de conhecimentos e capacidades dos professores foi marcado por protestos em todo o país. No Porto uma escola foi invadida, mas noutros locais a dispersão dos docentes arrefeceu as manifestações. Só o barulho se sobrepôs ao desânimo dos professores, por não conseguirem boicotar o exame como tinha acontecido em Dezembro.

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Professores protestam frente à EB 2,3 Manuel da Maia, em Lisboa Enric Vives-Rubio

O palco dos protestos começou a ser montado na escola secundária Rodrigues de Freitas, em Cedofeita, no centro do Porto, às 8h00. Faltavam duas horas e meia para começar a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC) para os professores contratados que não a conseguiram fazer em Dezembro quando os docentes que responderam ao apelo do movimento Boicote & Cerco se começaram a agrupar em frente aos portões do edifício, que acabou por ser o centro dos protestos mais significativos em todo o país, num dia marcado por barulho e incertezas. Nos cartazes os manifestantes diziam: “Nesta escola eliminam-se professores” e “Não PACC tues” – num trocadilho com o nome da prova que foi feito em muitas escolas das 80 escolas que receberam os exames.

A liderar os protestos, Daniel Pereira, professor de informática desempregado aos 37 anos, tentava organizar os manifestantes, artilhados com megafones, vuvuzelas, apitos e tachos. Primeiro, o objectivo foi convencer os professores convocados para a prova a não entrar na escola. Mas cerca de 30 de um total de 50 convocados entraram. Uns pela porta principal, outros pelos portões laterais. “Não entrem”, gritavam, em uníssono, os manifestantes. “Estamos a protestar com palavras e gritos para dar força aos colegas”, explicava Susana Ferreira, professora de Física e Química, 32 anos.

O tom geral era bélico. “Numa guerra não se ganham todas as batalhas, mas é para isso que aqui estamos”, anunciava Daniel. Do lado da escola, a estratégia era outra: Marta Cruz, dirigente sindical, explicava que a direcção da Rodrigues de Freitas escalara 18 professores para vigiarem a prova e que a reunião sindical, engendrada pelo sindicato para tentar demover os vigilantes de cumprirem a sua tarefa, fora marcada para uma escola do agrupamento a alguns quilómetros de distância, em Miragaia.

Segunda estratégia: às 10h40, os manifestantes decidiram invadir o átrio da escola. A confusão instalou-se. Tentaram chegar às três salas onde decorria a prova, mas foram barrados por funcionários, prontamente reforçados por agentes da PSP. Uma professora empurrou uma funcionária, esta ripostou e a confusão aumentou. Havia quem se queixasse e exibisse pequenos ferimentos. Cada vez vinham mais polícias, alguns dos quais reforços à paisana com músculos que as t-shirts coloridas não camuflavam. São polícias? “Somos, mas estamos aqui só para evitar que haja problemas, até percebemos a luta dos professores”, admitia um deles.

Durante duas horas manteve-se o barulho absolutamente ensurdecedor, mas que não chegou para boicotar a prova. Os manifestantes acabaram por ir desmobilizando a partir das 13h, à medida que os vigilantes e os professores examinados iam saindo e que as câmaras de televisão se desligavam. Uma das manifestantes mais empenhadas, Anabela Morais queixava-se de não ter sido convocada, apesar de não ter conseguido efectuar a prova em Dezembro. “Paguei 35 euros e não fui reembolsada”, lamentava a docente de Português e Francês. “A prova foi uma palhaçada, mas foi mais difícil do que a primeira”, afirmava, também à saída, Andreia Silva, 29 anos, professora do primeiro ciclo desempregada que faz “limpezas para sobreviver”. Tudo decorreu “calmamente”, garantia, frisando que não concorda com a prova mas não teve alternativa: “Tenho que me desenrascar!”

A intensidade dos protestos na escola do Porto contrastou com a indecisão e incerteza em Viseu. Na Escola EB 2.3 Dr. Azeredo Perdigão a manhã ficou assinalada pelo impasse da reunião sindical. Às 8h30 o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, tinha a garantia de que o plenário poderia ser realizado no refeitório, mas uma hora mais tarde recebeu ordens contrárias. Ultrapassado o problema, a reunião aconteceu à hora da PACC. A prova decorreu sem incidentes, mas à porta permaneceram dezena de docentes que vieram de outras escolas e que optaram por não fazer a avaliação. Já à entrada da Escola Secundária Alves Martins, elementos do Movimento Boicote & Cerco apelavam aos colegas para suspender “por todas as formas” a realização da prova. “Isto não é um exame, é um vexame” e “Quem adormece em democracia, acorda em ditadura” eram algumas frases que se podiam ler nos cartazes que empunhavam.

Também em Lisboa, à porta dos estabelecimentos, ao início do dia, só a presença de polícias, jornalistas, cartazes e a frase “Não PACC(TUES)”, a decorar os braços dos docentes, denunciavam que as próximas horas seriam de protestos. Mas de protestos divididos. A forma repentina como a tutela marcou a prova e a dispersão dos docentes levaram a que ninguém se entendesse sobre o programa de manifestações.

Na Escola Básica 2.3 Quinta de Marrocos, escolhida pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof) e pela CGTP como baluarte da resistência, a autorização para o plenário sindical animou os presentes. Com a participação de professores vigilantes nesta reunião, a prova poderia ser travada. A vitória chegou a ser proclamada mas, pouco depois, perceberam que não seria assim. E, ao telemóvel, os docentes tentavam sondar o ambiente vivido noutras escolas e ponderavam mudar para um local onde valesse a pena “fazer barulho”.

Fernando Calvinho foi um dos presentes que circulou entre estabelecimentos. Aos 45 anos continua a lutar por um lugar nos quadros e procura juntar as poucas horas que consegue para ver se chega aos cinco anos de experiência. Em Dezembro esteve na primeira tentativa de realização da PACC, depois de uma licenciatura e quatro mestrados. “Fui obrigado a entrar na sala e deixei a prova em branco. Foi a forma que tive de protestar”, justificou. Ontem mostrou a sua solidariedade para com os colegas, mas perante o ambiente morno na Quinta de Marrocos onde “já não se passava nada” e não valia a pena “fazer barulho” mudou-se para a Escola Preparatória de Manuel da Maia, que tinha vários professores do Movimento Boicote & Cerco.

Aurora Lima, do movimento, centralizava os telefonemas e dava as boas notícias, recebidas efusivamente entre palmas, gritos e muito barulho. O barulho manteve-se quando souberam de fracassos noutros estabelecimentos e quando perceberam que também na Manuel da Maia os colegas iriam mesmo realizar a prova. Megafones em punho com melodia policial, apitos e gritos de revolta. “Podem fazer a prova mas nós não deixamos de fazer barulho”, garantia a docente, sem reunir apoio para tentar uma invasão como no Porto. E insistia que “esta luta é linda e estes professores que não vigiam é que são de louvar”. Quando percebeu que não haveria quórum para tentar entrar no estabelecimento, Aurora reuniu os colegas e mudaram-se para a Escola Secundária Passos Manuel onde duas dezenas de professores aguardavam o fim da prova.

À porta, um estendal de cartazes resumiam o descontentamento e contrastavam com a apatia e o ar desolado dos professores, por não terem conseguido o boicote. “Como se pesa o conhecimento?”, questionava um dos cartazes, lado a lado com fotografias do ministro Nuno Crato, que dizem “professor não sou” e “demissão já”. Havia também um cartoon do Calvin que ironizava que a investigação científica não está a trabalhar o suficiente para “curar a cretinice”. Um outro cartaz lamentava que o ministro não aprenda com os docentes o “significado das palavras solidariedade e liberdade”. Um lamento extensível a Elsa Silva, professora de 38 anos, que não conseguiu fazer a prova em Dezembro e que ontem não aparecia nas listas e que questionava: “Será pecado estarmos aqui a lutar por um direito? Não é por causa do nosso pêlo que estamos aqui. É em defesa da escola pública”.

Mais a sul, em pleno Alentejo, o ambiente esteve de novo mais conturbado. Vozes alteradas, palavras de ordem, identificações forçadas, proibição de utilizar o telemóvel e de sair das instalações antes de terminada a prova, deixaram os professores com os nervos em franja nas escolas secundárias D. Manuel I e Diogo de Gouveia, em Beja. Nesta última, os professores que iam prestar provas decidiram entrar para as salas precisamente às 10h30 e a partir daí os incidentes sucederam-se. A troca de palavras entre alguns professores foi motivo para o enunciado de exame ser recolhido por “não estarem reunidas as condições”. A PSP foi então chamada para “identificar um a um, os professores que não queriam fazer a avaliação”, disse Jorge Simão, dirigente do Sindicato dos Professores da Zona Sul. Na secundária D. Manuel I quem não fez a prova também ficou retido nas instalações até terminar a avaliação e os docentes foram avisados de que não podiam utilizar o telemóvel.

Já no Algarve, um buzinão e um atraso no início do exame numa das salas da secundária Pinheiro e Rosa, em Faro, levou o júri nacional a dar mais 45 minutos para realizar a prova. A tolerância, afirmou o director do agrupamento de escolas, Francisco Soares, foi concedida por “ordens superiores, depois de consultado a Direcção-Geral de Ensino Superior (DGES) e júri nacional” sobre algumas anomalias verificadas. Dos seis locais onde se realizaram provas, em Faro, foi nesta escola onde esteve mais visível o medir de forças entre manifestantes e vigilantes. Os delegados sindicais tentaram, mas não conseguiram, o boicote ao exame. Cerca de metade dos 64 inscritos fizeram a prova, embora com défice na vigilância. Em duas das quatro salas onde realizaram as provas só esteve um vigilante. Por outro lado, elementos do movimento Boicote & Cerco, à porta do estabelecimento, lançaram uma cortina de ruído servindo-se de cornetas e cânticos.

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