Ministério trava sindicatos dentro das escolas durante prova dos professores

PACC vai mesmo realizar-se nesta terça-feira, apesar das decisões dos tribunais. Sindicatos mantêm plenários marcados para a mesma hora da prova e admitem recorrer à polícia.

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O presidente da associação de professores contratados está preocupado com a tensão que se vive: “Espero que nada de grave aconteça esta terça-feira” Paulo Pimenta

A crescente tensão envolvendo o Ministério da Educação e Ciência (MEC), os directores das escolas e os sindicatos de professores culminou, na noite desta sexta-feira, em mais uma disputa, desta vez em torno da precisão de termos jurídicos e do alcance das decisões dos tribunais. Ao fim da noite, tanto o MEC como a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) admitiram que a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) continua marcada para às 10h30 desta terça-feira, mas a confusão nas redes sociais já estava instalada.

“Não me lembro de o clima estar tão tenso, dentro e fora das escolas. Espero que não aconteça nada de grave”, disse ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Professores Contratados (ANVPC), César Israel Paulo. Na Internet já circulavam notícias segundo as quais a PACC estaria suspensa, por determinação dos tribunais. Isto na sequência do desmentido feito por Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, de informações supostamente transmitidas pelo MEC, segundo as quais as providências cautelares apresentadas por várias organizações sindicais teriam sido indeferidas.

Em declarações ao PÚBLICO, um elemento do gabinete de imprensa do MEC indicou que o decretamento provisório das providências cautelares sobre as quais já houve decisão foi indeferido; e que, nos casos em que o ministério foi notificado para apresentar uma resolução fundamentada, já o havia feito, pelo que a PACC vai mesmo realizar-se nesta terça-feira.

Também ao PÚBLICO, Mário Nogueira sublinhou que em dois casos, pelo menos, os tribunais explicitam que o decretamento provisório não foi decretado porque o artigo 128.º do Código do Procedimento Administrativo tem o mesmo efeito suspensivo da realização da prova. Admitiu, contudo, que face à apresentação, por parte do MEC, das resoluções fundamentadas, a PACC continua marcada para esta terça, pelo que se mantém o apelo aos professores do quadro para que não aceitem vigiar os seus colegas de profissão durante a prova.

Para Mário Nogueira, “o importante é que os professores percebam que nesta fase o que está em causa não é o indeferimento das providências — que não aconteceu — mas os efeitos suspensivos imediatos. A suspensão pode não se concretizar agora e verificar-se mais tarde, tal como aconteceu em relação à prova de Dezembro”, precisou. Para o MEC, o relevante é que “os professores que vão fazer a prova saibam que têm de se apresentar nas escolas esta terça, porque a PACC vai realizar-se”.

Enquanto os esclarecimentos não chegavam e a discussão se mantinha, já as notícias contraditórias provocavam o debate, as dúvidas e as incertezas em grupos de professores no Facebook e em blogues sobre Educação.

Professores mais revoltados do que em Dezembro
Este foi mais um episódio de um prolongado braço-de-ferro. Desde quinta-feira que o MEC desenha estratégias para impedir os boicotes à PACC, que se destina a docentes sem vínculo, e que a Federação Nacional de Professores (Fenprof) e o movimento Boicote&Cerco se organizam para evitar que a prova se realize. O confronto decisivo ocorre cerca das 10h30 desta terça-feira, a hora marcada para o início da prova e César Israel Paulo não esconde a preocupação.

“Nunca vou esquecer as imagens do confronto entre a polícia de choque os professores em Almada, em Dezembro, e sinto que as pessoas estão ainda mais revoltadas, desta vez. Espero que nada de grave aconteça esta terça-feira”, insistiu.

Em causa estão 4000 professores com menos de cinco anos de serviço — aqueles que, na versão do MEC, se viram impedidos de fazer a componente comum da PACC no dia 18 de Dezembro, marcado pela greve dos docentes do quadro e pelas invasões de escolas por parte de manifestantes. A ANVPC e a Fenprof dizem que foram mais: dos 2000 que, segundo o MEC, faltaram e não a podem realizar agora, alguns terão mesmo comprovativos de que se apresentaram nos estabelecimentos de ensino, naquele dia que parecia ter marcado o fim da PACC, neste ano lectivo.

O recurso aos tribunais permitiu aos sindicalistas adiar a remarcação da prova. Mas quer aqueles, quer os directores de escolas e os professores, foram surpreendidos na quinta-feira passada com a marcação da componente comum do teste para esta terça.

O despacho do MEC, com validade da data de assinatura, foi publicado com a antecedência necessária para cumprir o prazo exigido para avisar os professores — mas de maneira a impedir que as organizações sindicais pudessem convocar uma greve. Além disso, a surpresa chegou com um detalhe que parecia comprometer toda a tentativa de contestação: a prova foi marcada para mais de 80 escolas, o que significa que em cada uma estarão menos de 50 docentes a fazer o teste que o MEC diz ser obrigatório para quem quiser dar aulas no próximo ano lectivo, a partir de Setembro.

“Assim, quatro a seis professores do quadro chegarão para fazer a vigilância, não haverá problemas”, chegou a assinalar Filinto Lima, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).

A reacção dos que contestam a prova exigida a professores com formação científica, estágio profissional e anos de sala de aula foi, contudo, muito rápida. O movimento Boicote&Cerco reactivou de imediato os grupos de Facebook que, por sua vez, promoveram reuniões em 15 cidades do país e prometem acções de protesto “inovadoras e criativas”. A Fenprof juntou-se a mais seis organizações sindicais para convocar plenários em cada uma das escolas em que se fizerem provas e, assim, dar um pretexto legal aos professores vigilantes para faltarem à vigilância.

MEC tenta impedir plenários
Esta segunda-feira, contudo, o MEC voltou a mexer as peças neste xadrez. Enviou para as escolas a indicação de que classificara a prova como “serviço de natureza urgente e essencial” e indicou às escolas que, para evitar os plenários e garantir a tranquilidade de quem quisesse fazer a prova, devem restringir a entrada nos edifícios àqueles que estiverem envolvidos no processo.

Numa nota enviada à comunicação social, mais tarde, insistiu que a prova foi “assumida como uma prioridade desde o primeiro momento” pelo actual Governo, “em benefício dos […] alunos e da escola pública”; e recordou que parte dos professores a que se aplica — docentes sem vínculo à função pública e com menos de cinco anos de serviço — já a realizou, a 18 de Dezembro. Aos dirigentes escolares, insistiu, cabe “garantir as condições de tranquilidade adequadas à realização da prova […], salvaguardando o interesse público e o direito dos candidatos à sua realização”.

Filinto Lima reagiu considerando a situação “lamentável”. “É difícil de aceitar esta situação em que todos — incluindo nós, os directores — somos levados a cometer excessos. Devíamos estar concentradíssimos na preparação do próximo ano escolar e temos de estar preocupados com esta guerra política em que nós e as escolas fomos apanhados”, lamentou.

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), foi ainda mais duro — disse que a orientação do MEC coloca em causa “o princípio da confiança nos professores e o pressuposto de que estes são pessoas equilibradas e responsáveis". Defendeu que “não permitir que entrem na escola outros professores que não os envolvidos no serviço da prova é alterar as regras de uma forma que ultrapassa a razoabilidade”.

“Já era suficientemente lamentável a situação em que o MEC colocou os directores, ao marcar a prova às escondidas de todos e com um prazo apertado. As coisas devem ser feitas de forma transparente — quem não deve não teme”, criticou.

Fenprof diz que chama a polícia
Contactado pelo PÚBLICO, João Louceiro, dirigente da Fenprof, frisou que os serviços “não podem ser classificados de natureza urgente e essencial por capricho dos ministros”.

“Neste caso, é claramente abusivo: estamos perante um serviço que não faz parte da actividade normal da escola, que não se dirige a quem anda na escola e que até é estranho à escola”, sustentou, considerando que "a medida é um artifício que visa evitar a realização de plenários legalmente convocados e que constituem um dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição”.

Com aquela fundamentação, a direcção da Fenprof vai apresentar uma queixa-crime contra o director da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, que emitiu a nota enviada às escolas. E prometeu participar dos directores que, nos estabelecimentos de ensino, assumam o impedimento da realização das reuniões sindicais convocadas ou a participação nelas dos professores interessados. Eles próprios chamarão a polícia, prometeram os sindicalistas.

Mais tarde, o secretário-geral da federação sindical, Mário Nogueira, disse-se convicto de que os directores das escolas permitirão a realização de plenários e apelou aos docentes do quadro para que participem, evitando, assim, a vigilância.

Uma das hipóteses em aberto é a de os dirigentes escolares indicarem para as reuniões sindicais escolas do respectivo agrupamento diferentes daquelas em que se realizam as provas. Desta forma, o MEC afasta os sindicalistas, mas ainda terá para resolver o problema dos docentes que ameaçam boicotar a realização da prova e que estão a apelar à mobilização da população em geral.

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