Instituto de Telecomunicações: “40 mil euros não chegam para um post-doc

Carlos Salema, presidente do Instituto de Telecomunicações (IT) – a oitava instituição científica mais produtiva do pais a seguir a sete universidades – não consegue explicar racionalmente o facto de a sua unidade ter sido “chumbada”.

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Carlos Salema, presidente do IT, com um protótipo desenvolvido naquele instituto Nuno Ferreira Santos
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Carlos Fernandes com uma antena à frente dos olhos Nuno Ferreira Santos
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Kit "faça-você-mesmo", já comercializado, de sensores biológicos Nuno Ferreira Santos
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Demonstração do protótipo de detector de falhas nas chapas Nuno Ferreira Santos

O pólo lisboeta do Instituto de Telecomunicações (IT) está alojado em vários andares do grande cubo de vidro preto do Instituto Superior Técnico. Há lá muita gente nova e todos parecem entusiasmados com o que estão a fazer. André Lourenço, doutorando, apresenta-nos um pequeno kit de sensores que foi aqui desenvolvido para permitir que outras pessoas criem circuitos e aplicações à medida para monitorizar diversos parâmetros biológicos dos seres vivos, dos humanos às plantas. No futuro, explica-nos, também poderá ser utilizado para o teclado de computador ou o volante do carro reconhecerem o seu dono – e vedarem o acesso aos outros.

Noutra sala, estudantes de mestrado estão a desenvolver detectores de fissuras em chapas metálicas – da fuselagem dos aviões aos carris de caminhos de ferro – que prometem ser muito mais precisos que os actualmente utilizados, por exemplo pela TAP, para verificar o estado dos seus aparelhos.

Outra sala ainda está dedicada ao desenvolvimento de antenas – algumas delas de formas e materiais exóticos. Andela Zaric, doutoranda croata, mostra-nos o seu projecto, que permite localizar, numa série de gavetas e graças a diversos sensores e antenas, o sangue destinado a um dado doente, evitando trocas indevidas nas transfusões. Ela e a sua colega portuguesa Catarina Cruz acabam de ganhar um prestigiado concurso internacional com o seu protótipo, diz-nos Carlos Fernandes, coordenador da área das comunicações sem fios no IT.

“Também fazemos coisas muito engraçadas em Coimbra e Aveiro”, acrescenta Carlos Salema, presidente do IT, referindo os outros dois pólos principais do IT, uma rede de laboratórios espalhados entre o Porto e Faro, passando ainda pela Covilhã, Leiria, Tomar, Setúbal e Évora, e que envolve várias universidades e grandes empresas como a Nokia ou a PT.

Antes desta curta visita, Salema – que entre 1989 e 1992 foi presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) quando esta ainda era a JNICT (no tempo em que Cavaco Silva era primeiro-ministro) –, recebera-nos no seu gabinete para falar da avaliação em curso pela FCT às unidades de investigação. Na primeira fase da avaliação – e num processo “cheio de erros grosseiros”, disse-nos –, a FCT acaba de atribuir ao IT a nota Bom. Uma palavra aparentemente benigna que, neste contexto, significa exactamente o contrário.

O IT é uma instituição privada, criada em inícios dos anos 1990, que foi declarada de utilidade pública em 1995 e adquiriu o estatuto de laboratório associado em 2001. E a nota Bom significa que esta entidade, onde mais de 800 pessoas (80% delas professores universitários) trabalham em 42 grupos de investigação – e que nas duas anteriores avaliações foi considerada Excelente, tendo desde 2006 recebido um financiamento “estratégico” da FCT anual nunca inferior a 1,5 milhões de euros – só irá receber, entre 2015 e 2020, 40 mil euros por ano. “Um financiamento de 40 mil euros não chega para um post-doc”, comenta Carlos Salema.

Um dos pilares do IT são os seus projectos internos, que permitem ter “uma estratégia própria de investigação” diz ainda. Mas agora, “os projectos internos desaparecem e é a investigação que desaparece”.

O que vai acontecer se nada se alterar na sequência do recurso apresentado na semana passada à FCT pelo IT? “O IT pode morrer; como está, é completamente impossível de manter", responde Carlos Salema. "Há grupos que poderiam manter-se activos de uma maneira ou outra, mas o IT em si, custa-me a crer.”
 

   

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