Física: Uma ciência que vai ficar reduzida a Lisboa

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O físico Nuno Peres MIguel Nogueira

É comum ouvirmos este género de dúvidas das bocas de cientistas: “Já pensamos muito sobre isto, mas ainda não temos uma explicação.” Desta vez, porém, o motivo da perplexidade do director do Centro de Física da Universidade do Minho (CFUM), Nuno Peres, não é um fenómeno natural surpreendente, mas a avaliação das unidades de investigação pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O processo condenou aquele laboratório a ter de encerrar portas no médio prazo face ao corte no financiamento, assegura. Em Coimbra, o Centro de Física Computacional (CFC) também foi “aniquilado”, diz a sua directora.

Depois da primeira fase da avaliação das unidades de investigação, a física vai ficar ainda mais desequilibrada no país. Entre os investigadores efectivos na área, 97% estão neste momento em Lisboa e, na lista da FCT, os quatro centros que passaram à segunda fase são todos da capital. Entre os excluídos estão os de Coimbra, Minho e Porto.

Nuno Peres tem outra perplexidade: a quebra abrupta e inexplicável da classificação do CFUM. O centro, que na última avaliação tinha sido considerado de excelência, desceu dois patamares e fica-se pelo Bom. O resultado imediato é uma redução substancial do financiamento anual de 380 mil euros para apenas 40 mil. Dinheiro que, na prática, “não dá para nada”, diz o director. “Se pensarmos que a inscrição numa conferência custa cerca de 500 euros, dará para pouco mais do que enviar cada um dos nossos investigadores a uma conferência por ano.”

Nuno Peres é físico teórico e vem trabalhando sobre o grafeno, tendo colaborado com Andre Geim e Konstantin Novoselov, laureados com o prémio Nobel da Física em 2010. No ano seguinte, venceu o Prémio Gulbenkian de Ciência e, no mês passado, foi um dos poucos investigadores na lista dos cientistas mais citados em todo o mundo. Mas estes reconhecimentos pouco contaram para a avaliação da FCT.

Como também pouco contaram as especificidades de uma unidade de investigação que se divide em quatro grandes grupos – Física da Matéria Condensada, Física Molecular e Biofísica, Nanomateriais e Óptica –, reunindo cerca de 100 investigadores, dos quais 80 são doutorados. O trabalho científico que aqui é feito é maioritariamente experimental, pelo que os dispositivos tecnológicos à disposição dos cientistas têm um peso determinante. No CFUM, há cerca de cinco milhões de euros de equipamento, comprado com verbas da FCT. Para serem usados, é preciso manutenção, mas também químicos e componentes eletrónicos para os quais deixará de haver dinheiro. “A prazo, vamos ter de parar”, assegura Nuno Peres.

Algo semelhante poderá acontecer no Centro de Física Computacional (CFC) da Universidade de Coimbra. Avaliado com Suficiente, o laboratório fica automaticamente excluído do financiamento. “Uma nota destas significa aniquilar o centro”, lamenta a sua directora, Constança Providência. E, mesmo que tivesse chegado à classificação de Bom, o financiamento não seria suficiente. “Receberíamos qualquer coisa como 20 mil euros, o que não paga nem o ‘system manager’ do nosso supercomputador”, explica.

O centro de Coimbra recebeu, no ano passado, financiamento da FCT para comprar um supercomputador, que agora não terá dinheiro para manter: “É a mesma coisa que deitar dinheiro fora.” Curiosamente, um dos pontos negativos apontados pelo relatório da FCT era a falta de equipamento de topo ao serviço da unidade de investigação. Outra questão que causa estranheza aos físicos de Coimbra: o CFC é fruto da fusão entre os dois centros do Departamento de Física, em resposta a uma recomendação que a FCT tinha feito, mas esse facto não foi tido em conta nesta avaliação. Daí que, para Constança Providência, o maior problema deste processo “foi mesmo a imprevisibilidade dos seus resultados”.
 

   

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