“Não há crescimento exclusivamente com base nas exportações”

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“Temos de ter uma redução da austeridade interna para relançar a economia” Miguel Manso

A saída para a crise em que Portugal se encontra passa, segundo António Costa, por fazer ver a Bruxelas que há mais estratégias de governação para além da austeridade. E também pela aposta no “aumento da procura interna” que potencie o “crescimento a curto prazo”. Mas passa também pela aposta no emprego e na qualificação profissional. O candidato às primárias do PS acusa o actual Governo de ter quebrado o consenso em torno do combate à falta de qualificação dos portugueses. E garante que se o país quiser “dar um salto qualitativo” no modelo económico precisa de ir buscar a geração que emigrou.

Como candidato a primeiro-ministro como vê a solução para a crise orçamental, para baixarmos o défice e resolvermos a dívida pública?
A condicionante orçamental existe, não pode ser ignorada e tem de ser devidamente endereçada. Agora, como o próprio presidente Juncker assumiu no discurso de candidatura junto do Parlamento Europeu, a prioridade das prioridades tem de ser o crescimento e o combate ao desemprego. Não sairemos deste espartilho em que nos encontramos se não conseguirmos dar o salto em frente. Isso tem uma dimensão europeia, na agenda europeia que tenho apresentado e que passa por vários domínios. Um, a leitura inteligente do Tratado Orçamental, que passa designadamente por ter em conta que está escrito no Tratado que a trajectória da redução do défice tem que ser ajustada ao ciclo económico. Portanto, não pode ser cega como o Governo tem a mania. Consta também do Tratado Orçamental que há um conjunto de despesas que não devem ser contabilizadas para efeito de défice se tiverem um efeito benéfico na sustentabilidade duradoura das finanças públicas. Mas para além do tratado Orçamental há duas discussões fundamentais a ter. Uma, tem a ver com a criação de um mecanismo de correcção dos efeitos assimétricos do euro. Há uma coisa que hoje é clara, esta moeda única tem efeitos muito desiguais para as diferentes economias. Ao contrário do que aconteceu, quando foi criado o mercado interno em 1992, a moeda única não foi acompanhada de um mecanismo compensatório. Porventura, porque se achou que a opção da taxa de juro era suficiente como mecanismo compensatório. Agora a verdade é que essa redução da taxa de juro conduziu a um aumento do endividamento público e privado das famílias e das empresas. Temos de ter outro mecanismo compensatório.

Qual?
Hoje começam a sugerir várias propostas. O ainda comissário Lazlo Andor tem defendido a criação de um estabilizador automático com incidência no subsídio de desemprego. Entendo que, mais do que um mecanismo que reaja à crise, é preciso um mecanismo que previna a crise. Isso passa, como acontece em todas as uniões monetárias, designadamente nos Estados Unidos, por um reforço da solidariedade orçamental. E há um terceiro ponto fundamental nesta agenda. É  preciso um programa de recuperação económica que permita ao país recuperar dos danos sofridos pelo programa de intervenção.

Financiado pela UE?
Não necessariamente só pela UE. Mas sobre isso tenho a certeza que na Convenção de dia 26 teremos alguma densificação deste ponto. Mas há a dimensão nacional que tem a ver com a questão da austeridade. Um dos problemas graves que tivemos estes três anos foi ter somado ao rigor orçamental a austeridade no conjunto da economia. Na ilusão de que seria possível relançar o crescimento económico exclusivamente com base nas exportações. Não há crescimento económico exclusivamente com base nas exportações. Temos de ter uma redução da austeridade interna para relançar a economia. Os dados divulgados há 15 dias pelo Instituto Nacional de Estatística, do inquérito aos empresários sobre o motivo pelo qual o nível investimento é tão baixo, dão uma resposta muito clara. Hoje, mais do que as restrições do acesso ao crédito e ao financiamento, são as baixas expectativas da procura que estão a limitar a capacidade de investimento. E se esse investimento não é retomado, nós não conseguiremos um relançamento económico que seja saudável e sustentável. Para isso, temos de ter um aumento da procura interna para voltarmos a ter níveis de crescimento a curto prazo. Depois há medidas para o crescimento sustentado para vencer a estagnação económica que vivemos desde o princípio do século, e que estão na agenda da década: a valorização dos nossos recursos, a modernização do tecido empresarial da administração pública, o investimento na cultura, na ciência e na educação e o reforço da coesão social.

Em relação à recuperação económica, há uma questão que é a dificuldade de convencer os outros Estados-membros da necessidade destas medidas.
Ninguém ignora que numa Europa a 28 ninguém pode prometer resultados. Agora há uma coisa que temos de ter é um Governo que se bata pelos resultados e o problema que temos em Portugal, não é só de falta de resultados, é de falta de vontade política de procurar esses resultados. Por opção política e ideológica o actual Governo entende que essa não é a estratégia adequada.

Como pode isso ser feito?
Basta ver o que está a acontecer na Europa neste momento. Tem uma nova presidência italiana que veio rehierarquiza as prioridades. Tem um novo presidente da Comissão que em relação ao nosso debate interno diz três coisas muito importantes. Prioridade das prioridades: crescimento interno e emprego. Em segundo lugar, veio dizer que é fundamental o crescimento verde. E sendo número um a nível mundial das energias renováveis, isso é uma oportunidade extraordinária para Portugal, que é dos países da UE que mais pode aumentar a quota de energias renováveis na UE. Isso significa uma ruptura radical com aquilo que o Governo fez estes três anos e retomar as políticas correctas que estavam a ser prosseguidas. Diz em terceiro lugar outra coisa: é necessário cumprir o Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas não podemos continuar a ignorar a dimensão social dos problemas de ajustamento e no futuro nós temos de ter tanta atenção à consolidação orçamental como ao combate à pobreza, à diminuição das desigualdades, ao reforço da coesão social e ao impacto que sobre a economia e o emprego tiveram os programas de ajustamento.

Isso quer dizer?
Na Europa hoje, as coisas estão a mudar. Já não é só o Governo espanhol, não é só o Governo italiano, não é só o Governo francês que tem esta posição. Portanto, há um Governo português que está do lado errado do debate europeu. Temos de ter um Governo em Portugal que esteja do lado certo do debate europeu em defesa dos interesses de Portugal. Este argumento que o Governo apresenta de que na Europa não é possível mudar, isso acontece porque o Governo não se bate por isso. Por isso, o primeiro passo para mudar de política na Europa é mudar de Governo em Portugal.

Tem falado da necessidade de reforçar a coesão social. Foi ministro de dois Governos reformistas, António Guterres e José Sócrates, que aprofundaram o Modelo Social Europeu. Nos últimos anos tem sido implantado um modelo mais assistencialista. O que defende que deve ser feito?
As pessoas subestimaram desde o início a sinceridade com que o doutor Pedro Passos Coelho se apresentou quando concorreu à liderança do PSD. A primeira coisa que ele fez foi apresentar uma proposta radical de revisão constitucional. Ele disse ao que vinha. Houve pessoas a subestimarem a clareza da sua posição económica. E essa evolução nos últimos três anos não decorreu nem de condicionantes europeias, nem de determinismos técnicos, mas de opções ideológicas. Quando ele disse que queria ir além da troika, mais, quando ele quis que a troika viesse, não foi por outra razão que não fosse a compreensão de que essa era a força acrescida para ajudar a executar um programa que nunca a direita liberal em Portugal imaginou poder executar, sem esta aliança externa e sem este condicionalismo.

E se for primeiro-ministro o que fará? Vai regressar ao modelo Guterres?
Nunca se regressa ao que passou, porque o que passou, está passado. Agora temos de retomar quais são as prioridades e os valores. E a compreensão do seguinte: hoje, não consolidaremos as finanças públicas sem termos crescimento e não teremos crescimento sem aumentar o nosso nível de coesão social. Dou-lhe um exemplo concreto. As centenas de milhares de empregos que foram destruídos nos últimos anos não foram só um drama para as pessoas que foram parar ao desemprego, não traduziram só perda de capacidade de crescimento económico, mas fragilizaram em oito mil milhões de euros a sustentabilidade do nosso modelo de Segurança Social. A nossa reforma de Segurança Social foi elogiada internacionalmente como um dos modelos mais avançados para garantir a sustentabilidade duradoura da Segurança Social. O que a tem fragilizado é essencialmente a alteração do modelo demográfico. Este alterou-se por dois motivos: perda de emprego

E emigração.
E emigração. Portanto, o travar esta trajectória de retrocesso social é não só essencial para garantir o valor da dignidade das pessoas, mas é também essencial para garantir o relançamento económico e para garantir a sustentabilidade do nosso modelo de Segurança Social. Essa mudança é virtuosa e é necessário fazê-la. Vamos lá ver.. Creio que sou insuspeito de considerar que as finanças públicas não têm de ter uma gestão rigorosa. Quer no Governo quer na Câmara já demonstrei que a boa gestão das finanças públicas é essencial e é uma condição vital para o sucesso da acção política. Como também acho que o Estado tem que ser reformado, que é preciso poupar na burocracia, para investir onde é necessário. Agora, eu não acredito que Portugal possa ter uma economia competitiva, possa aumentar o nível de produtividade se não investir no seu Estado Social. Basta ver na UE quais os países que têm maior nível de produtividade, são aqueles que há mais anos investem na educação, no sistema de saúde, no sistema de segurança social e que, aliás, criam condições para podermos ter uma sociedade mais dinâmica, com capacidade de iniciativa, criativa.

Há teses que indicam que a relação entre o nível da escolaridade e a produtividade de um país é proporcional.
Até este Governo foi consensual na sociedade portuguesa que o maior défice que Portugal tem é o das qualificações. Ainda hoje temos uma desproporção brutal em relação à UE e à própria média da OCDE no nosso nível de qualificação. E uma coisa absolutamente inaceitável é o que o Governo fez em matéria de formação de adultos. Não gostavam das Novas Oportunidades, tivessem arranjado umas novíssimas oportunidades, o que não é possível é ter destruído o sistema de formação de adultos. Quando sabemos que a minha geração, que está a ser duramente atingida pelo desemprego, tem um baixo nível de qualificação, vai ter de estar ainda muito tempo presente no mercado de trabalho - vamos estar mais tempo que as gerações precedentes porque com o aumento da esperança de vida, os níveis demográficos, com os níveis de crescimento, é evidente que vamos estar mais anos no mercado de trabalho e menos anos de reforma. Mas isso significa que essa geração não pode ser abandonada, não pode ser deixada para trás. E é necessário fazer um grande esforço de requalificação para permitir o seu regresso activo ao mercado de trabalho. Sob pena de o adiamento da idade da reforma não ter nenhum contributo positivo para a maior sustentabilidade do sistema, porque o sistema é consumido com mais anos de desemprego. Essa é a questão chave para o futuro do país, a da qualificação.

E pretende ter a requalificação profissional dessas pessoas?
Vamos ter de ter uma dupla política activa de emprego. Uma, dirigida à nova geração, que é mais qualificada e está desperdiçada no desemprego ou na emigração e que é absolutamente essencial para termos um modelo de crescimento assente na competitividade. Há uma outra dimensão dirigida à minha geração, à geração do meio, que não tem os níveis de qualificação e arrisca o desemprego de longa geração, para ela é preciso fazer um grande esforço de investimento na formação e ter políticas activas de emprego. Os fundos comunitários oferecem oportunidades. Uma das batalhas que ganhamos em Bruxelas e estamos a perder em Portugal é a mobilização de fundos para, a propósito da melhoria da eficiência energética, podermos lançar um grande programa de reabilitação urbana, que era absolutamente essencial para absorver muita da mão-de-obra que está no desemprego, depois do colapso da indústria da construção, e que é fundamental fazer regressar ao mercado de trabalho, por que isso reanima também toda a cadeia da construção, o cimento, as madeiras, os azulejos.

A construção civil teria de reaprender.
Não há nenhum país que não tenha construção civil. Nenhum passou desse estádio para indústria aeroespacial, se for à Alemanha, à França, à Bélgica continua a haver construção. Cá também temos de ter. E quando se diz, o país gastou demais em cimento, convém não confundir. O problema da crise da construção não é das grandes construtoras que deixaram de fazer aqui autoestradas e as foram fazer para o Brasil, em Angola, em Marrocos, nos países de Leste.

São as pequenas e médias empresas.
São as milhares de pequenas e médias empresas e os milhares de trabalhadores que estão hoje sem colocação. Temos de ter medidas para esta geração que permitam o regresso ao mercado de trabalho e já agora em sectores de futuro. Ora o crescimento verde e a eficiência energética são estratégicos para o futuro, como são as áreas do apoio social.

E os jovens qualificados que saíram e continuam a sair? Há quem diga que isto vai custar-nos muito caro a nível da mão-de-obra.
Vai custar-nos caro a todos os níveis, como potencial de desenvolvimento e do ponto de vista demográfico. Acho graça, aliás, que o Governo diga que é uma prioridade o aumento da natalidade, o mesmo Governo que recomendou aos jovens que imigrem porque não têm futuro em Portugal. Mas a recuperação, a fixação é decisiva para o país. Porque o investimento que as autarquias e sobretudo as famílias fizeram na formação desta geração foi criar a primeira geração portuguesa que mais se aproxima dos melhores níveis da UE. Se quisermos dar um salto qualitativo no nosso modelo económico, nós precisamos desta geração, é absolutamente imprescindível, e temos de a ir buscar. E há um assunto que temos de pôr na agenda, vou ter aqui [em Lisboa] uma reunião a 24 de Outubro do Comité das Regiões, sobre "A fuga dos cérebros, o ganho dos cérebros". Há hoje um novo desafio para a política portuguesa. É sabido que as uniões monetárias não homogenizam as economias, pelo contrário, aumentam as diferenças e as assimetrias e isso tem uma dupla correcção. Uma, é política e é reforçar as transferências orçamentais. Outra, é o ajustamento por via do aumento da circulação da mão-de-obra dentro do espaço da União. E o que estamos a em Portugal, Grécia, Itália, Espanha e França é uma emigração massiva dos jovens mais qualificados para a Alemanha, para a Áustria, a Holanda. Isto é um novo desafio para a política de coesão na UE. A liberdade de circulação é um ganho, mas não pode ser confundida com necessidade de circulação. O que estamos a ter é uma emigração forçada. Isto tem um efeito multiplicador no futuro. Significa que os países de origem cada vez terão menos capacidade de aumentarem...

O seu nível de qualificação...
A qualificação do seu tecido económico, e os qualificados aumentaram mais e portanto o gap aumenta. Se não tivermos esse equilíbrio cada vez teremos uma Europa com maiores disfunções internas. E como disse o primeiro-ministro Renzi, a Europa tem de se recordar que a moeda única é fundamental mas os valores comuns foi o que fundou esta Europa. 

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