Foi rigorosa a avaliação das unidades de investigação promovida pela FCT?

Ao fechar unidades de investigação produtivas, optando por apostar tudo nos grandes centros urbanos, diminuímos a diversidade, perdemos em qualidade e damos mais um passo na desertificação do país.

Em 2007 a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) promoveu a avaliação de todas as unidades de investigação, designando para cada área um painel de peritos que avaliou e visitou todas as unidades da respetiva área investigação. O processo foi globalmente justo e não se levantaram dúvidas sobre a qualidade do painel, das classificações atribuídas ou sobre a equidade do processo.

Em 2013 a FCT decidiu inovar e atribuiu a uma instância externa a responsabilidade da avaliação. Todavia, o modelo adotado revelou-se injusto, desastroso e indigno. Vejamos: em vez de escolher um painel único para cada área de investigação, foram escolhidos três avaliadores diferentes para cada unidade de investigação, o que desde logo coloca enormes dúvidas sobre a equidade do processo. Surpreendentemente estes três avaliadores não receberam nenhum guião objetivo de avaliação e cotaram discricionariamente a unidade que lhe calhou em sorte. O resultado foi assustador! Muitas unidades receberam três notas completamente díspares. Houve unidades classificadas com: (20, 12, 20); (20, 14, 10); (18, 12, 8). Como é possível que uma mesma proposta tenha avaliações tão díspares? Todos os docentes/investigadores estão habituados a processos de avaliação, mas um modelo que tenha dado tal disparidade de classificações é inédito. Não se trata de casos isolados, mas sim de resultados recorrentes, que deveriam ter sido razão suficiente para fazer parar o processo. Não é aceitável basear uma avaliação de unidades de investigação num modelo que gera este tipo de resultados. Será aceitável dar um exame de um aluno a três professores, em que um dá 18, outro 14 e um terceiro 10, e achar que correu tudo muito bem? O aluno foi bem avaliado por estes três peritos?

A avaliação de 2013 compreendeu ainda uma segunda fase em que um outro painel de peritos elaborou um relatório final baseado nos três primeiros pareceres e nos comentários feitos pela unidade (limitados a 600 palavras). Este painel teve como objetivo nivelar a notas e corrigir os erros cometidos pelos três primeiros avaliadores. Será isto aceitável? Promove-se uma avaliação que origina erros grosseiros e usa-se um 2.º painel para nivelar? Escandalosamente este 2,º painel foi multidisciplinar. O de ciências exatas foi constituído por matemáticos, físicos e químicos, pelo que tivemos matemáticos a opinar sobre a qualidade das unidades de química e químicos a julgar unidades de física. Será isto normal? Se um aluno de Matemática recorrer de uma nota, escolhemos um professor de Física para rever o exame?

Para além deste processo indigno, as classificações finais foram desastrosas e extremamente suspeitas. A FCT promoveu um estudo bibliométrico para avaliar objetivamente a qualidade das unidades, recorrendo a indicadores de produção. Surpreendentemente, os avaliadores parecem ter esquecido estes dados, porque em diversas áreas chumbaram as unidades mais produtivas em detrimento das menos produtivas que passaram à 2.ª fase. Não se entende! Não conseguimos encontrar lógica nos resultados. Houve diversas unidades classificadas com excelente em 2007 que obtiveram agora a classificação regular, mesmo tendo a sua produtividade subido entretanto!

Todos estes casos, bem como as situações em que ocorrem flutuações anormais das notas envergonham e deprimem os investigadores e deveriam fazer parar este processo. O resultado final desta avaliação foi a exclusão de 50% das unidades (as classificadas com "bom" são financiadas simbolicamente e estão igualmente condenadas) e cerca de 50% dos investigadores. Poderíamos pensar que de facto são maus investigadores e que não têm produção relevante. Curiosamente, a FCT decidiu, e muito bem, colocar uma fasquia mínima de produtividade para um investigador poder integrar uma unidade. Assim, todos os excluídos preenchiam estes requisitos.

A avaliação do sistema científico é necessário e fundamental e, na verdade, faz parte do dia-a-dia de um investigador que está constantemente a ser avaliado quando tenta publicar o seu trabalho. A avaliação é bem-vinda e convivemos bem com ela, mas a justiça do processo tem de ser inquestionável e as decisões têm de ser sempre muito bem fundamentadas. Fomos submetidos a uma avaliação baseada na sorte ou azar dos peritos atribuídos a cada unidade, não houve equidade entre os concorrentes da mesma área, a disparidade nas notas preliminares é inadmissível, e os resultados finais condenaram alegremente 50% das unidades, incluindo algumas das melhores do país. Perante isto a FCT, a promotora do processo, limita-se a lavar as mãos dizendo que a responsabilidade é da instituição que fez a avaliação. Se um professor de Matemática entregar a correção de um teste a três desconhecidos, fazendo depois a média dos resultados e, no caso de haver reclamações, pedir ajuda a um químico, poderá ficar de consciência tranquila?

No caso particular da área da química, observou-se que foram excluídas da 2.ª fase várias unidades com produtividade superior ou comparável com as escolhidas. Analisando os resultados, tornados públicos, dos índices bibliométricos, escapa-nos a lógica das classificações atribuídas. A vontade de fechar levou a que centros classificados como "excelentes", "muito bom" ou "bom" em 2007 ficassem agora excluídos, apesar de terem aumentado a sua “produtividade”. Dos 12 centros existentes em 2007, seis ficam excluídos da segunda fase, ficando a investigação em química restringida aos grandes centros urbanos (Lisboa, Porto, Coimbra) e Madeira. Todo o resto do país, Algarve, Évora, Aveiro, Minho e Vila Real, é para fechar. Não foi valorizado o esforço das unidades de investigação de menor dimensão, sedeadas nas zonas periféricas, em captar recursos humanos e estudantes de pós-graduação num cenário económica e politicamente muito adverso. Não foi valorizada a componente relativa ao desenvolvimento regional, nem o facto de o tecido industrial no Alentejo, no Minho, no Algarve ou em Vila Real ser incipiente, quando comparado com o que rodeia as cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. Ao fechar unidades de investigação produtivas, optando por apostar tudo nos grandes centros urbanos, diminuímos a diversidade, perdemos em qualidade e damos mais um passo na desertificação do país. Perdemos todos.

Paulo Coelho, Centro de Química – Vila Real

Maria João Queiroz, Centro de Química – Universidade do Minho

Peter Carrott, Centro de Química de Évora

José Moreira, Centro de Investigação em Química do Algarve

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